quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

a loucura é nossa sanidade no amor e na arte




A loucura é nossa sanidade no amor e na arte. Nesses territórios, o ego é somente o continente entre dois mares. O ancoradouro-ponte que atravessamos, andarilhos ávidos pela outra ponta. E lá, diante do oceano, onde o horizonte é sempre depois que o olho alcança, todo o desejo é da travessia, de ir além.


No amor e na arte, nosso corpo é empréstimo, nossa condição é de redenção; e o temor, seja ele do tamanho que for (ele sempre comparece), fragmenta-se em poeira cósmica, espectadores-estrela, suspensa na escura abóbada da noite, durante a qual sonhamos acordados.

Está dispensada qualquer possibilidade de mesquinharia ou avareza. Tudo é imenso e intenso mesmo para os minimalistas. É sempre grande um dom-ativo. Há de ser liberto da reclusão toda a nossa inteireza, onde nada tem valor se for pela metade. Amor e arte, só pleno, sem economias.


Também não há porém para o amor, nem entretanto para a arte. O motivo é simples: A meio do oceano, tudo é adversidade porque tudo é a ser conquistado. Navegar é uma necessidade ou o que nos resta é o estado de deriva. Bússolas e periscópios até são recomendáveis, mas nem sempre úteis. A direção segue na razão do tudo-nada e nossas ferramentas de controle são quase sempre desapropriadas e obsoletas.


Amor e arte têm vontades próprias. Não obedecem, governam. E ignoram condições normais de temperatura e pressão. Haja vento, correntes e marés para explicar-lhes a direção. Sob seus comandos, somos sempre marinheiros e não importam anos de experiência, toda viagem é a primeira: outra excitação e outra adrenalina. Não há outra vez. Só de novo.


Eu me compadeço daqueles que passam a vida a fugir das provocações desses dois anjos-algozes. Evitam-lhes a proximidade, recusam-lhes os chamados, ignoram-lhes ofertas e armadilhas. Vejo-os todas as tardes remando de um lado para o outro em seus lagos de águas plácidas e margens previsíveis. Tudo neles é confinamento e cheira a mofo. Regozijam-se com a mesmice das horas e adoram os instantes quanto mais iguais se sucedem. Deliram lendas de horror com as quais justificam não aventurarem-se. O que não percebem é que se tornaram os piratas de suas próprias existências.


Beijo,

Guilhermina

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

meu primeiro encontro com um E.T. - por Nine

Querida Guilhermina,

Ontem me encontrei com um Alien... já tinha ouvido falar deles, mas nunca os tinha visto ao vivo, e muito menos tomado café com um. Não, não endoideci de vez. Não, não tenho visto muito o canal Sci Fi (mentira, vejo sim!).

Menina, é que antes de ontem sai com um cara que começou a me dizer, de maneira peremptória, que "todos" os problemas de SP eram causados pelos nordestinos que invadiram a cidade... que todos os favelados eram bandidos e nordestinos.
Ainda tentei argumentar nesse ponto. Já que até esse momento, como ele tinha a aparência de um ser da nossa espécie (fora uns dentes esquisitos...), achei que era só um caso grave de ignorância. Caso fossem fornecidas informações, dados, fatos, tudo daria certo! Afinal ele era um ser bem sucedido para os padrões terrestres e eu ingenuamente pensei que isso denotasse uma certa inteligência...

Mas ai o Alien continuou a desfiar o rosário de asneiras e preconceitos: O transporte público no Brasil é uma maravilha (te juro, Guilhermina!), e o de SP o melhor do Brasil. Estava pasma, não agüentei e perguntei:
você já tomou algum ônibus na vida?

Alien
: Não!Credo!

Nine:
Já peguei, às vezes você pode esperar 25 min no ponto! Minha faxineira vem a cada 15 dias e leva 1H30 para chegar no serviço!

Alien
: A minha empregada também! E vem todo dia! O que você quer? Para ELES tá bom!

Nine: ELES quem, cara pálida? Eu sou eles e eles sou eu! Foi aí que comecei a desconfiar de que se tratava de um alien, já que ELE não era NÓS.

Alien
: Não, não é! NÓS da classe média, média alta, que moramos nos Jardins, assim como na zona sul do RIO, não somos como ELES! Quem manda ELES serem estúpidos e trabalharem longe de casa? O mal de vocês cariocas é esse! Estão sempre muito perto DELES, por causa dos morros. Ficam muito misturados na praia, até jogam bola com ELES!

Nine (já começando a perder a paciência):
ELES não são estúpidos! Que eu saiba o pessoal de Paraisopolis (oh ironia!), morro Santa Marta, Vidigal, Parelheiros, não tem dinheiro para contratar mão de obra não especializada para limpar a casa deles! Não acho que a Rose, minha faxineira, goste de acordar cedo, tomar o ônibus, ficar 1h30 espremida, sendo exposta a todo tipo de coisa. Faz porque não acha trabalho perto de casa e aqui também pagam melhor o serviço dela.

Alien
(condescendente): Ah você é dessas... idealista de esquerda liberal!

Nine:
Sou mulher, carioca, brasileira, mãe, filha, já fui esposa duas vezes, profissional, tantas coisas e pertenço sem sombra de duvida a espécie humana. Para mim não tem ELES e NÓS! Somos todos NÓS!

Alien
: Ah eu não! Não sou igual a ELES. Queria que voltasse a ditadura e mandassem prender todos ELES!

Bom, a partir dai, aleguei um compromisso de última hora e saltei fora. Fui ao cinema sozinha ver "O casamento de Rachel". Nesse filme tem um casamento interracial. Pessoas de várias etnias e culturas estão presentes na festa num congraçamento.
Sai do cinema e vim para casa pensando no filme, no Alien, e o que leva as pessoas a pensarem em separar, a formarem castas, quando vivemos tão sós no planeta e concretamente nem sabemos bem o porquê...

No dia seguinte, acordei cansada. A Rose veio limpar meu ap. Ela sempre afável e gentil me perguntou como estava e tal. Respondi que ando dormindo mal e me sentindo muito só. Ela filosoficamente me disse que a solidão quando a gente percebe já nos sufocou. Mas que eu vou acabar encontrando alguém. Ai não pude me conter e contei a ela sobre o
Alien...

Rose com cara de moleca arteira me disse: queria conhecer a empregada dele... Perguntei o porquê. Ela me disse que ia aconselhá-la a quebrar louças, "sem querer", na casa dele, queimar a comida dele, trocar recados importantes, manchar as camisas chics dele e depois procurar outro emprego! Olha a Rose ai gente! Que nunca leu
Thoreau, pregando a desobediência civil! Nós duas rimos muito tomando uma xícara de café na minha cozinha.

Mas na verdade, se pensarmos nas consequências que esse tipo de pensamento e atitude “alienígenas” trazem para a Humanidade... É trágico!

Afetuosamente, abraços de cromossomo XX, espécie humana,

Nine de Azevedo

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

folia na avenida blogosfera


É Carnaval! Se eu amo a festa? Não. Odeio? Também não. Falta-me folia por dentro, assim como meus pés desconhecem o samba. Mas gosto dos dias de folga debaixo do sol, da cervejinha, dos amigos para uma conversa e de olhar os corpos embalados no ritmo, os braços abertos e as cabeças para trás daqueles que parecem beber o ar. Gosto das vozes em uníssono, escondendo os desafinados, gosto da alegria efêmera e dos arco-íris de serpentinas cruzando caminhos e destinos. Apenas não fui feita para multidões. Sempre foi assim. Sou dos poucos e grandes amigos. Sou das relações ao invés dos contatos. Sou mais do toque do que das alegorias. Até gostaria de ter essa vocação para muitos, para o riso escancarado e sem pretensão, para as galeras, as arquibancadas... Fazer o quê? Preciso da intimidade, das longas conversas, do olho no olho, de pensar alto e junto, das questões que buscam respostas em mim e no outro. Preciso da eleição do olhar que me acaricia, de que saibam meu nome quando falam comigo e de que se apresentem, perdendo aos poucos as ressalvas, enquanto nossas defesas vão se tornado desnecessárias e perdendo a função.

Tenho passeado pelos blogs e encontrado de tudo. Se há um monte de baboseira, há também cantos agradáveis, gente que desconcerta, instiga, provoca... faz pensar, diverte, troca, comove e convida. Alguns têm tantos seguidores (não gosto desta palavra, mas enfim...) que parecem liderar uma legião. Acho admirável essa capacidade de aglutinar gente, construindo verdadeiras redes de intercâmbio...


Também no mundo virtual, parece que meu rumo é ao avesso, pois lá vou eu construindo intimidades... Aguardo as 2ªs feiras, como se tivesse um encontro marcado com o Renato do “Aperte o Alt”.
A Susanna do “Topografia de Interesses” já tem até a senha da passagem secreta para esta esquina. A Nine prescinde de espaço individual, mas visita esta esquina e dela se tornou sócia, assim como Rita. A Jana criou um espaço aonde dá vontade de sentar para ouvi-la falar. Seu jeito é franco, sem rodeios. Respira juventude e aquela certeza de que vai conquistar o mundo. Que assim seja! Há também aqueles que moram na delicadeza. Mesmo que a indignação os tome de jeito, escolhem o jeito mais doce de dizê-la. Não dá pra não se comover com quem todo dia se pergunta “E agora, Maria?” Não se passa indiferente a quem nos promete que “O Mundo tem Inscrições Sempre Abertas”. E o que dizer de “Intersemiótica”? Contemplação em estado de puro, pronto para o intercâmbio de signos. E por aí vou seguindo, em busca de indignações, identificações e diversidade.

Quanto à essa esquina... lembro-me de Bethânia, lá se vão muitos anos, no show “Pássaro da Manhã”: ... Trata-se de um espaço inacabado, porque lhe falta a resposta, resposta esta que espero que alguém no mundo me dê.

Como vocês veem, nem toda folia se faz de samba suor e cerveja.

Beijo,

Guilhermina


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

calaabocaporfavor!!!!!!




Tem dias em que me canso de mim, Não quero ouvir nem meu pensamento. E como berra o desgraçado! Desobediente e rebelde. Fala, e sussurra e insiste... Digo-lhe que já sei, que amanhã a gente conversa, que vou recuperar minha tolerância comigo e com o mundo. Mas o cara parece vizinha espiando na soleira, achando um monte de coisa, e na minha recusa em dar-lhe um dedo de prosa, segue sozinho ponderando com ele mesmo.


E olha que já lhe disse mais de mil vezes: quando se acha alguma coisa sobre o sei lá o que, é melhor perder e procurar de novo. Principalmente quando se acha o que quer que seja sobre a vida alheia. Mas aí mesmo é que ele zomba de mim. E ainda me responde Viu, como é você o meu melhor treinador: sempre me lançando a novos desafios?!

Impropérios. Lanço muitos no ar, todos com destino certo, sem economia nem cerimônia. O cara gosta. Minha irritação é o seu triunfo. Pego o controle remoto da TV. Zap zap zap. Ele aumenta o volume. Acrescenta eco. Inferno.

Só quero des-ser por um momento, suplico. Impossível, querida – ele desdenha. Insisto. Ele persiste. Imploro. Ele tortura. Rendo-me. Ele comemora. E cá estou eu novamente. Ele? Não sei se me trouxe ou se veio comigo.

Beijo,
Guilhermina

Moliére, jogos olímpicos e outras coisas - por Nine

Querida Guilhermina,

Acidente de trabalho:
Anteontem foi o aniversario da morte de Moliére. Nessa data, em 17 de fevereiro de 1673, morreu quase no palco trabalhando, um dos mais brilhantes atores, autores e diretores de teatro. Esse filho de tapeceiro do Rei, com licenciatura em Direito, Jean Baptiste Poquelin, renunciou ao negócio do pai para fundar o Illustre-Théatre.

Suas peças, que já causavam polêmica na época, são encenadas até hoje. Agora veja só, um pesquisador na França com a ajuda de um computador, se apoiando em ocorrências de linguagem, está convencido que numerosas de suas peças não são dele, mas de, pasmem! De Corneille!

Obtive essa informação no site évene.fr. Vou seguir o assunto com interesse. Será verdade? Será possível identificar a autoria verdadeira? E se for mesmo de Corneille, o que isso representara para os palcos? Vai mudar o valor das obras teatrais? O que vocês acham?...

***

O outro assunto que gostaria de colocar aqui na esquina é o seguinte: o RIO deve sediar mesmo os Jogos Olímpicos? O jornal "O Globo" publicou uma matéria em 14/02 dizendo que o J.O. do Rio podem custar o equivalente a 8 Jogos Panamericanos. Muito dinheiro... Será que o Rio não esta precisando desse dinheiro em outros lugares? Com os roubodutos habituais será que vai sobrar algo de bom para os cariocas? Li No blog POMEU que foi prometido metrô para Barra nos Panamericanos, e até hoje ninguém viu... Sei que vão me criticar, estou ausente como moradora há tempos, mas por mim não deveria sediar nada! Não seria melhor incentivar o esporte nas escolas de primeiro grau, equipando-as com bom material humano e pedagógico esportivo, incentivo financeiro à família de futuros atletas, bolsas de estudo? Sei não... Se existir um movimento "Não aos jogos olimpicos" estou dentro!

Lembranças à família, afetuosamente, beijos em você

Nine Azevedo

PS. Quando vir a Rita Ludolf, diga a ela, que creio que ela é minha mãe, nasci nela-dela no 87. Na época que ainda tinha pitangueiras na praia do Leblon rs...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

quando fui traição


... O que pretendo salientar é que, para além da questão cronológica, a intensa, misteriosa, atribulada, instintiva e palpitante existência intrauterina é simbolicamente suprimida, como se fosse uma experiência não vivida, ou, na melhor das hipóteses, como um esboço de vida. Pois digo, sem meandros: trata-se não somente de alguma vida, mas de toda uma vida. Vida encerrada numa redoma, vida de absoluta ilusão de proteção e estabilidade. Numa gestação clássica, as intempéries resolvem-se, sempre, num eterno retorno ao equilíbrio, movimento análogo à dinâmica pendular. A quebra desta ilusão, nas sofridas proximidades e, enfim, no advento do parto, é um evento de extrema violência, uma imposição discricionária do caos sobre a ordem, do medo sobre a segurança, do frio sobre o conforto, do grito de terror sobre o silêncio, da desorientação sobre a concentração, da ruptura sobre o elo. Não haverá, no decorrer da vida oficialmente declarada, aflição maior do que essa (e a das conseguintes idas e voltas entre a seiva do seio materno e a selva de sua ausência). Todo sofrimento que vier, e também todo o prazer, depois, será decorrente desta quebra fundamental, que redunda na obrigação de pertencer, interagir, com o mundo do lado de fora. Toda frustração posterior será uma memória da frustração primeira. Todo prazer, toda contemplação de belezas, uma memória do útero, do seio, do bem-estar. Toda intuição de paz ou ímpeto de morte será um desejo de voltar ao elo. Todo medo de ousar ou de morrer, ao contrário, será o medo do incerto que a própria vida, mesmo bela na variedade do caos, representa, onde a única certeza, paradoxalmente, é a morte.

Recortadas do belíssimo texto de Arnaldo Bloch, publicado em 31/01/09 no jornal O Globo, essas linhas têm sido responsáveis por um desassossego cardíaco a cada vez que meus olhos percorrem as palavras na tentativa de que se imprimam em meus poros. Tal descompasso, no entanto, não se dá pela memória do útero que um dia habitei, ainda que ao sabê-lo perdido para sempre, tenha sido obrigada ao experimento de outros portos, outros píeres, outras âncoras: todos devedores daquelas águas plácidas, como bem nos traduz o autor.


Compreendi em alguma dessas paragens incompletas que pactuei esse preço para a vida e, se topei seguir em frente, pretendo honrar cada prestação contratada por mim. Em troca, quero todo quinhão que o mesmo acordo me garante como legítimo.


Em alguma parte do contrato constava meu direito à Maternidade. Assim, com letra maiúscula. É desse outro lado da placenta, do corpo que se enche até a lua nova, que se promete enquanto se nutre pelas entranhas, que experimenta um reator de força e magia que quero falar. Falar sobre o que não cessa de vir. Pós-surto da derradeira separação. Sangue transmutado em seiva, amputação recriada filho. Promessa de eternidade além dos limites do meu corpo.


Esse registro de que um outro inteiro me é parte far-me-á companhia por toda a existência, assim como a promessa de, contra tudo, protegê-lo. Promessa que não poderei cumprir. E que mesmo sabendo disso, esquecerei tantas vezes.


Quantas vezes entrei, como um ladrão, no quanto escuro do sono do meu filho somente para dele me alimentar ao nascer do dia seguinte? Quantas vezes, a gargalhada no cômodo ao lado recriou aquele campo magnético de força? Só mesmo Cora Coralina para encontrar palavras que dissessem onde foi construída minha resistência. Na obrigação da minha proteção fiz-me mais forte. Da existência dela, fiz-me mais vital.


Até o dia da contramão. Da ordem ao avesso.
Do imperativo de deixá-lo ir. Esse exercício de abandonar para o qual nada me preparou. Até ensaiei o contrário. Rascunhei o dia em que ele partiria e eu permaneceria imóvel, ainda promessa de porto, de sombra de árvore frondosa. Mas não. Lá estava a exigência da lição ao contrário. Desaprender a promessa de onipotência. Declarar-me sem a solução para o que nele afligia. Deixá-lo cair até que descobrisse que somente suas pernas poderiam levá-lo ao seu destino. Manter-me imóvel no seu tropeço, silenciosa na sua dúvida, nula na sua angústia.


Recolhi-me ao meu quarto escuro, clamando por um outro sentido. Nunca poderei lhe explicar a traição como um ato de amor. Nem o abandono como a carta de alforria. Serei acusada decerto. E cumprirei a pena do ressentimento dele. Tomara, eu possa suportar. Suportarei sim, para que a vida lhe valha a pena.


Um beijo,
Guilhermina

domingo, 15 de fevereiro de 2009

"O amor é um frio e hesitante Aleluia" Leonardo Cohen ou como meu amor está por aí sozinho ou andando com mulheres erradas - por Nine

Querida Guilhermina,


Espero que essa carta te encontre em ótimo estado de saúde. Que as crianças estejam bem, todas as crianças, a vida em geral. Hoje amanheceu uma chuva fina e insistente aqui na terra da garoa e pensei em pedir a sua ajuda. Ontem foi o dia de S.Valentim, e se comemorou o dia dos namorados de outros povos. Então, resolvi te pedir um grande favor: prepare-se, é grande mesmo, só lhe peço porque sei que a sua alma é grande o suficiente para isso.


Caríssima, você não encontrou por acaso, ai na esquina, um amor perdido?... Ando tanto a procura dele, faço de tudo para achá-lo, mas nada! Sei que ele é distraído. Ele pode não estar me vendo. Pegou o bonde errado, o carro, o ônibus, o avião...


Vou descrevê-lo para você me ajudar a encontrá-lo mais facilmente: Meu amor é alto, entre 1m71 e 1m91, magro sem ser magricelo, talvez mesmo tenha ganho um certo "embonpoint" dos franceses! Às vezes ele é moreno, às vezes louro, nunca se sabe. Só sei te dizer que ele adora cinema. E ler... para ele não tem coisa melhor, a parte eu claro! Ele é generoso, afável no trato com as pessoas, principalmente subalternos, porteiros, garçons e afins. Gosta de futebol, mas não é fanático a ponto de me largar por isso. Gosta de me escrever de mots d'amour e também os de todo dia. Aprecia muito conversar, e comer e beber moderadamente. Aliás, Guilhermina, são as únicas coisas com as quais ele é moderado... gosta imensamente de beijar, ah... beijos inesquecíveis e abraços de corpo inteiro. De dormir de colherzinha, conchinha, qualquer nome, mas que signifique dormir juntinho. Ele me ama apaixonadamente, e vai colocar flores no meu túmulo para sempre. Chorará desesperadamente a minha morte, e lamentará sua sorte. Todo mundo saberá disso, e se alguma outra mulher adoçar suas noites, não me importarei, te juro Guilhermina, quero que alguém o console de tanta tristeza.


Somos os dois sonhadores, apaixonados, românticos e dedicados um ao outro. Desde o primeiro encontro não podíamos mais tirar os olhos, as mãos um do outro. Ficamos tão felizes juntos que até parece um milagre, se eu ainda acreditasse em milagres... Ele nunca me será infiel ou me abandonará. Sei que ele deve estar triste, tanto quanto eu, por estar por aí sozinho. Mas ele tem esperança de me encontrar. Ele fica só no escuro, encostado numa porta, talvez fumando, pensando quando e onde vai me encontrar, pode ser na esquina. Mais já são Guilhermina querida, mais de 400 noites, não queremos completar 1001! Veja bem minha flor, nosso prazo de validade está acabando, não somos mais crianças, talvez só de espírito. Precisamos nos encontrar antes do fim, por isso o pedido de ajuda. Ele se move de maneira tão corajosa, mesmo quando está com medo, que é impossível você não vê-lo, caso ele apareça ai esquina.

Ah quantas lagrimas já verti por ele não estar aqui, pela ausência dele... quero tanto ver de novo essa beleza que só vemos quando estamos apaixonados, essa compaixão e tolerância que se esparrama por tudo e todos... ele é o mais doce, o mais bonito, aos meus olhos,claro! Minha única angustia é a de não encontrá-lo a tempo, porque ando muito perto dos meus abismos e lá é um lugar perigoso, posso cair...


Sabe, um ser humano muda tanto quanto as nuvens no céu, eu queria ainda poder passar a mão nos cabelos dele, no rosto dele, acariciar as marcas da vida e do tempo. Todas as noites meus pensamentos me atormentam como drosófilas em volta das frutas. Ele vem me fazer companhia nos sonhos. Quando acordo minha cama está vazia, ele se foi, fico mais triste ainda... ele já desapareceu.


Ele é meio doido, Guilhermina, mas é por isso mesmo que eu o amo tanto. São esses gramas de loucura que fazem nosso amor ser tão grande. São eles que me dão a certeza que ele é meu homem e eu a sua mulher. O amei a vida inteira, em todos os meus amores. Eles sempre foram grandes. Não sei amar pequeno, é minha sina, meu destino. Nasci assim, não tive escolha.


O outono com suas folhas caídas e seus ventos se aproxima, se eu não o encontrar antes do inverno, mesmo saindo daqui e indo o passar no doce clima do Rio, vou me sentir na Sibéria, lamento, mas assim é.


Por favor, te agradeço, Guilhermina, antecipadamente. Se o encontrar mande me avisar. Vou buscá-lo correndo...


Afetuosamente, mil beijos,
Nine

tabu-do-ganho - por Aderbal


Há muito venho tentando colocar um assunto em roda para discussão: é sobre o tabu-do-ganho! Não é um bloco de carnaval; não é nome de bicho, mas poderia ser, daqueles bem peçonhentos, cujos admiradores são poucos e/ou loucos.

Defino o tabu-do-ganho como aquele estranho sentimento de medo, que dá em falar o quanto recebemos (salário, pró-labore, etc.) seja para quem for!

Despesas todos falam, esbravejam e esmiúçam até os centavos, mas o ganho.... nem se cogita verbalizar. É aqui o meu ponto. O que aconteceria se um de nós dissesse quanto ganha para uma outra pessoa: um amigo, um familiar, um filho, um cônjuge, um atendente de telemarketing..., será que o ganho viraria fumaça? Sumiria como investimento na bolsa? Seria o medo de ao dizer o montante, o ouvinte estender a mão e nos pedir um tanto emprestado? Será por medo de ter que emprestar ou de não querer emprestar?

Poderia ser um tabu ao quadrado! O tabu-do-ganho levaria ao tabu-do-empréstimo. Mas que força tem o tabu-do-ganho!!

O tabu-do-ganho deve ter raízes na Índia. Suponho. Ele tem casta. Em alguns segmentos ele é forte e poderoso, em outros ele não tem força alguma.

Empregados de chão-de-fábrica (linha de produção) tem por costume comparar seus contracheques. Todo fim de mês uma rodinha se forma e não é para jogar porrinha. Eles estendem seus comprovantes de pagamento e ai de quem tiver um centavo a mais!

Na classe alta, o tabu-do-ganho é dissimulado, pois entra em cena seu primo rico, o tabu-do-caro. Ao balançar seu scotch-on-the-rocks, o executivo faz questão de dizer - EM DÓLAR - quanto pagou por aquela garrafa! É capaz de elencar toda a nota fiscal da última compra no dutyfree! Reparem que tudo o que ele comprou foi sempre o mais caro!

Já na classe média, o tabu-do-ganho reina solto e absoluto. “Magina” se um vendedor teria coragem de dizer quanto fez de comissão no mês, ou um profissional liberal divulgar o valor do seu melhor contrato.

Vou confessar. Eu já quebrei o tabu-do-ganho uma vez. Sim, e foi chocante. Naquele exato momento em que falei quanto era o meu salário, parecia que eu tinha dito uma heresia em plena Capela Sistina no anos domini de 1530! Fez-se o verdadeiro minuto de silêncio e todos se entre-olharam, procurando abrigo para não serem vitimados por uma suposta indagação da minha parte. Ao perceber o desconforto, mudei de assunto e abri outra cerveja.

Aderbal

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

associação livre

Ontem recebi de um amigo essas palavras de Florbela Espanca:

O meu mundo não é como o dos outros;
quero demais, exijo demais.
Há em mim uma sede de infinito,
uma angustia constante que nem eu mesma compreendo,
pois estou longe de ser uma pessimista,
sou antes uma exaltada,
com uma alma intensa, violenta, atormentada.
Uma alma que não se sente bem onde está,
que tem saudades...sei lá de quê!


Segundo ele me conta, viu-se de repente, pensando nela e como quem aceita um convite, foi ao seu encontro, por essa via encantada das palavras alinhadas. Abriu uma página que deveria ser uma qualquer e... Deparou-se com o escrito.

Sei que o pensamento só é livre se pode associar-se sem entraves, sem paradas burocráticas, sem orientação prévia...

Ainda segundo ele, tomado pela mão de Florbela, foi provocado por um novo impulso: o de dividir seu achado comigo.Comigo? Por que será? Por favor, mesmo que alguém ouse saber a resposta, não me dê. Prefiro continuar procurando-a.

Ao meu amigo, contudo, retribuo o abraço que me enviou junto com Espanca, além de remeter-lhe um lembrete: nossa inevitável solidão ganha mais (ou novo) sentido quando encontra companhia.

Um beijo,
Guilhermina

saudade dos cariocas - por Nine

Desde que cheguei na esquina da Guilhermina, levada pela Bailarina do Topografia... que começou a remoer uma coisa dentro de mim... um choro fora de hora (como se choro tivesse hora!). Mas refletindo nele tive uma epifania! Foi como a amizade virtual com a Bailarina, que sinto tão próxima de mim, apesar da tenra idade e agora aqui da esquina também. São saudades da minha cidade, dos cariocas!

No exílio tanto tempo e agora há 1 ano sozinha aqui na terra da garoa, percebo que sinto uma falta imensa da minha gente, dos cariocas! Essa gente que fala com desconhecidos no sinal, na feira, na praia. Capacidade essa que os outros estados, cidades perdem ao ficarem adultos. Crianças, em qualquer lugar do mundo, falam umas com as outras. Já viajei muito, posso assegurar, mas adultos não. Só o carioca, dos povos que conheci, mantém essa competência. Sim, porque é uma habilidade essa de enxergar o ser humano ao seu lado.


Meu filho, carioquíssimo, mora no Rio. Nunca se adaptou a SP e aos quinze voltou correndo para casa do pai. Não entendia os paulistanos e nunca foi entendido por eles. Me disse que nunca no Rio, alguém choraria na rua sozinho, sem que uma pessoa não fosse perguntar se ele estava precisando de algo, se queria que telefonasse para um amigo, um familiar, enfim, um dedo de prosa pelo menos. Também creio ser verdade. Aqui em SP, já chorei em ônibus, na chuva, na rua e as pessoas só me olharam como se eu fosse maluca, desequilibrada e não que estivesse diante deles um ser humano precisando de ajuda, solitário, ou triste, ou tudo isso ao mesmo tempo...


Por isso tudo quando vêm me falar da superviolência do RIO aqui, fico pensando que ai não é só CV, CA... qualquer comando, não. O RIO é muito mais, e me irrita profundamente que eles não vejam que o comportamento deles também é uma forma de violência ao ser humano. A indiferença da cidade aos seus moradores e aí tanto faz se você é carioca, mineiro, baiano ou paulistano. Dá na mesma! Não é bairrismo. Não sou iludida ou ingênua de não ver os defeitos da administração da cidade, da corrupção generalizada que corrói esse país, mas o RIO ainda tem esses bolsões de cordialidade sim. E sinto uma imensa saudade dessa generosidade, dessa conversa fiada, mas que distrai, torna mais leve a vida, principalmente quando ela esta difícil de carregar.


Então fica ressoando nos meus pensamentos aquela poesia dos tempos de escola: "...as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá"... O exílio faz isso conosco: uma idealização que normalmente não corresponde à realidade. Mas que sinto saudades de tomar chá na Colombo com a minha avó ou com a minha mãe, de ir à igreja das almas acender velas com ela, na Senhor dos Passos, de brincar de pique com meus primos no convento em Santa Tereza, da rua Montenegro que não é mais Montenegro, da duna da Gal que nem existe mais, dos surfistas do Arpoador, de ficar olhando de longe o Daniel Friedman (o que será que foi feito dele?...) na facu. Isso tenho!


beijos e amor imenso aos Cariocas,

Nine

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

madrugada na esquina - por Susanna

Como é mesmo que se começa uma conversa com pessoas que você nunca viu, talvez nunca veja, e ainda nem foi bem apresentada?

Como se faz pra que pessoas que não te sabem, o façam da melhor maneira, mas sem saírem feridas por você – com todos os defeitos que você tem –, hein?

De onde eu devo partir: de um “Bom dia! Meu nome é Susanna, e o seu?”, ou um “Oi, tudo bem? Qual é o seu nome?” veste melhor?

Eu, sinceramente, não sei responder a essas questões. Atualmente anda tudo tão complicado entre seres humanos, que até a ordem dos fatores altera, em muito, os resultados – se estes aplicarem-se aos relacionamentos.

Ai, quantas inquietações aqui dentro! Eu? Ah, eu escrevo por prazer, para desabafar, por encomenda, pra divertir, pra informar, por nervosismo, em silêncio, com música alta, até escrevo pra por alguém em algum lugar. Escrevo se brotar de dentro, ainda que não de mim. Até por ordem já escrevi, e como! Mas não ficou bom, sabe? Não tão bom como quando é com paixão. Escrevo com vida, com alma. Por vezes com lágrimas e dor. Sorrio sempre em meus escritos; sorriso sempre grande, sempre contagiante. Escrevo pra me manter viva, e não explodir com tantas palavras passeando pela minha cabeça, ou descansando nos meus olhos, ou saindo pelas orelhas.

E mesmo assim, escrevendo tanto, que a mim parece tão pouco, não sei como começar isso. Ah, comece você, do jeito que quiser e preferir, da forma que lhe ficar mais confortável, e se não lhe apertar o calcanhar. Comece isso, de leve. Eu me adapto a você. Eu subo nos seus pés, feito criança pequena, e sigo os teus passos, como numa dança. Mas comece, por favor, porque há dias em que eu acordo, como hoje, já pela metade; sem saber direito onde e como comecei, conhecendo apenas “o” onde vou terminar.

Susanna




quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

o que eu quero de mim?

Sempre que vou me referir a esse blog, troco as bolas chamando-o de “topografia da existência”, mas Susanna, sua autora, o nomeou por “topografia de interesses”. Para compreender meu ato-falho, só indo lá conhecer. Vale a pena. No último dia 9, em plena segunda-feira, começando o dia, ela se pergunatava “o que eu quero de você?”. Você — não sei quem é. Mas que diferença faz? Alguém a quem ela pedia que a livrasse. É o bastante.


Roubei-me anos até que compreedesse o imponderável desse pedido. Sim, também já o fiz, achando-o legítimo. Mas quem pode livrar-nos de nós mesmas? É preciso navegar-nos até o enfrentamento. Imprescindível decifrarmo-nos antes de sermos devoradas. O resto é encontro. Tecelagem da nossa confiança e da nossa aposta.

Vandré, o mesmo Geraldo que caminhou e cantou, que soube e fez a hora, ironicamente falando de flores, fez um “pequeno concerto que virou canção”. Essa música é texto em carne viva. Sem metáforas, em linha direta. Um hino ao recolhimento até a hora da nova expansão. Deixo-a nesta esquina para quem quiser reaproveitá-la. Arte é assim. Fonte que não se esgota. Mar de generosidade. Sobrevoo, e não sobrevida.

Um beijo,
Guilhermina



PS: Queridos, dois posts num só dia. Este meu e o de Rita, logo a seguir. Vamos abrindo a roda, colocando mais cadeiras, ouvindo mais gente. Essa é a idéia.
Outro beijo