domingo, 23 de agosto de 2009

o procedimento é pegar um táxi até Miriam - por Visconde de Albuquerque

Guilhermina, meu camafeu, alvíssaras!

Finalmente, saíste daquele silêncio que não te pertencia. De teu estupendo texto, ficou martelando-me o trecho: "É absolutamente necessário que se tenha medo de perdê-lo (o amor), mesmo sabendo antecipadamente que isto é inevitável". Lembrei no ato de Sandra Pêra, queridíssima e a quem muito aprecio os pensamentos frenéticos, fitando-me profundamente ao dizer: "Não tenha medo de perder (o amor). Quem tem medo de perder, perde". Oh, urgia ganhar a rua e refrescar os tórridos miolos. Que fazer?

Fechei a padaria mais cedo para sair com as crianças. O moleque, de 8 anos, e a afilhada, de 1. Fomos no restaurante preferido...dele. Céus, nessa idade e já com point gastronômico. E de muito bom gosto, por sinal. Levei presente para todos: para ele (aparelho de som), para a mãe dele (CD do Toni Platão), para a baby (uma casinha de pelúcia, de onde sai um cachorrinho), para a mãe dela, minha comadre (DVD do Djavan). Contudo, fui eu quem ganhou o maior presente. Para tudo existe Mastercard, mas estar com quem amamos, encerra clichê, bem sei, é sem dúvida irreembolsável.

Enquanto sorvia o prosecco gelado, observava aqueles dois serezinhos. Um, a essa pequena altura do championchip, já portador de notebook (com o qual eu o havia presenteado ano passado) e celular, que acabara de ganhar (não de mim). Provoquei-o: "Vais me ligar?" Ele: "Claro" - mexeu os dedinhos e...meu celular tocou. Ou seja, ele já havia armazenado meu número na engenhoca. Disse-lhe: mas o senhor está me saindo um verdadeiro homem de negócios! Ele riu e, como bom leonino, deve ter se achado o próprio. Fiz questão que ele tivesse seu own computer, não para entretê-lo com joguinhos. Mas sim para que, em paralelo à moda antiga, usasse-o como nós próprios houvéramos feito com as caudalosas enciclopédias analógicas de antanho. Para pesquisas e trabalhos no colégio. Ele que, com 5 anos, logo após eu me separar de sua mãe, ao lhe perguntar como andava na escola, veio com essa: "eu brinco, me divirto, mas ensinar que é bom, nada." Está bom para ti? E lá ia ele, degustando as comidinhas deliciosas e operando o aparelho com tal desenvoltura que constrangia o nível máximo de tecnologia que domino na coisa: mandar uns torpedilhos. Até que, em meio a observações sobre os itens do cardápio da casa , - que se diga, não muito "normal" para o gosto médio de uma criança -, mandou um "procedimento" no meio da frase. Por Camões, "procedimento"? Lembrei-me de quando ele tinha 3 e perguntou-me o que era "experiência". Valei-me, protetor dos dicionários! Foi quando minha comadre contou que a única palavra que a bebê fala inteira é....mamãe? vovó? Não, prezados: "táxi". Pano rapidíssimo.

Meditei: se um com 8, está de note e celular, o que essa pirralha vai ganhar de presente na idade dele??? Disquei (disquei?) imediatamente para Miriam Leitão, minha nova e arrebatadora paixão (sem cenas de ciúmes, Waldvogel, if you please!), buscando aconselhar-me através de sua visão macrossocioeconômica e prognóstica do universo. Disparou-me a gênia: "Visconde, anacrônico colega, sê romântico, como te aprouver. Mas, tanto quanto possível, moderniza-te, rapaz. Vence a condição de camarada contemporâneo das fundações da Sé de Braga. Ainda causa-te espécie a frequência modulada, os mistérios impenetráveis de um singelo interfone ou até mesmo a ação de um mero dimmer na sala de estar, meu bom homem. Tudo te espanta, tudo pões na conta de mágica, de enigma indecifrável. Qué te pasa? Apruma-te, prepara-te. E, sobretudo, forra esses bolsos, companheiro. Com o que esperas presentear teu anjinho aos 8? Meias três quartos? Pega-varetas? A bisneta da Barbie? Francamente, meu amigo. Pensa em chips subcutâneos que ensinem a tocar instrumentos, como sonha Cora. Em roupas autolimpantes e passantes. Em exposições permanentes de Van Gogh no MAM. Em emagrecer sem me perguntar como. Enquanto choras pitangas como um bezerro desmamado com Roberto numa poltrona - que maçante! -, o mundo roda lá fora, pai de Matusalém. Deixa para trás o tempo em que batucavas num 286 movido a lenha, tio-avô de Fred Flintstone. Mas, acima de tudo, pensa alto, bem alto. Dá a essa brasileirinha - e ao brasileirinho - um Parlamento limpo. Roga aos céus não ter que indefinidamente mostrar-lhes onde estão os valores, a moral e a ética, pois que até lá seus representantes no governo estarão esterilizados e a decência será algo que nunca deveria ter deixado de ser o que é: crucial. Peleja para que não precises convencê-los exaustivamente de que honestidade é obrigação, e não exceção e virtude a merecer aplausos e condecorações. E chega que preciso desligar, para fechar mais uma de minhas colunas que tanto te vêm impressionando, por simplesmente falar do óbvio. Estou, com elas, tentando ajudar-te a presentear futuramente os teus. E tu, cidadão, o que tens feito?"

Assim, desligamos. Eu, mais apaixonado ainda por ela. Sim, és toda razão, colunista: preciso levantar da poltrona confortável. Essa pequena magrela de Caratinga, que coisa...Como tu, Guilhermina, também eu sonho com avenidas povoadas de reações ao tenebroso espetáculo em que diariamente homens enlameados até o talo autoproclamam ética e espírito público com uma desfaçatez, um desassombro e um linguajar torpe que, espero, essas crianças nunca precisem conhecer. Essa corja, essa malta que de nada se envergonha, quanto lixo! Sonho em rachar a canalha, amadurecendo a campanha verde de Marina Silva. Não vai levar, posto que é uma sem-máquina. Mas partirá a candidatura oficial. Que a campanha sustentável torne a outra insustentável. Aí, é pau no segundo turno. Pelo bom futuro dos fedelhos. Os meus, os seus e os nossos. Retribuo com amor o teu beijo, conquanto me deixas um tanto nervoso. E que nossos cônjuges não nos leiam. Em nos lendo, relevem-nos a travessura. Em nos relevando a travessura, liberem-nos para mais. A propósito, agradeço o envio da foto de meu calçado tirada em alegre noite de festa ao vosso lado. Julguei que daria uma perfeita ilustração para esta minha verborragia contumaz, ou seja, nada a ver com coisa alguma.

Mientras, vamos a alguns refrigérios para a alma, belezas no combate a tanta feiúra:

- A linda canção "Amores Possíveis", com Paulinho Moska: http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umamusica&nomeplaylist=005508-6_02<@>Amores_Possíveis<@>Amores_Possíveis<@>Vários_Artistas<@>0220<@>Paulinho_Moska<@>UNIVERSAL<@>
- O vídeo do incrível contra-tenor e barítono alemão Klaus Nomi: http://www.youtube.com/watch?v=yuSrsGzhD9U
- O vídeo da bela "Pérolas aos poucos", de José Miguel Wisnik, na voz de Ná Ozzetti: http://www.youtube.com/watch?v=VhSo-FX-x5M&eurl=http%3A%2F%2Fletras%2Eterra%2Ecom%2Ebr%2Fna%2Dozzetti%2F286815%2F&feature=player_embedded
- O áudio de "Entreolhares", do novo CD de Ana Carolina: http://anacarolina.uol.com.br/
- O aúdio de "Prima do ciúme", do novo CD de Antonio Villeroy: http://www.antoniovilleroy.com/obra_aberta/disco_novo-prima_do_ciume.php
- O site do canadense Leonard Cohen: http://www.leonardcohen.com

domingo, 16 de agosto de 2009

para viscondes e amigos

Meu Visconde, meu amado;

Você e essa sua ironia fina e sutil capaz de fazer as mulheres suspirarem, ávidas pelos galanteios que lhe são tão próprios. Quanto a mim, vejo-te com o indecifrável sorriso no canto da boca a deixar-me dúvidas. E ainda sobre estas, também não estou certa se me aflijo mais com a incerteza que me ronda quanto as tuas lisonjeiras palavras ou quanto a mim mesma. De todo modo, não me parece correto atribuir-me essa capacidade de acalmar as almas transtornadas, mesmo aquelas que se manifestam em resmungos. Além do mais, justo você, meu caro, como poucos, é testemunha de que não sou de paz. Ah, não! Muito antes pelo contrário, são as tormentas que me fascinam, são as revoluções.

As que aconteciam nas avenidas estudantis dos idos 68, cheias de sonhos, de ideais, de censuras a provocar a criatividade e a beleza das metáforas... Ah, como queria mais disto. Mas, não é só com saudade que visito estas cenas. A saudade faz tudo morar no passado e o sentimento que me assola traz a urgência a reboque, quero fazer presente a intensidade no que vivo hoje, tenho necessidade de matar a fome de verdade emocional.

Não sei em qual momento eu deveria trocar o verbo amadurecer pelo envelhecer. Não sei sequer se já passei da hora e fico por aí a mercê da galhofa alheia. Mas sei, isso sim, que a gratuidade de tudo que a vida tem, típica fantasia da juventude, já se foi. O sucesso, a riqueza, o bem-estar, a saúde, a beleza da forma, a alegria, o crédito, o reconhecimento, a realização e o que mais você quiser supor na vida é consequência de trabalho, insistência, teimosia mesmo. E alguma sorte... que como diz meu cunhado, os craques tem que ter sorte.

Desta feita, não me desespero mais na tentativa em vão de encontrar quem me faça feliz. Quero quem me faça companhia na felicidade que eu possa encontrar por mim e, já que é inevitável, também nos tempos, às vezes longos, de frustração e dor.

Aliás, dor é uma palavra que as pessoas têm horror, mesmo sabendo que não há economia que nos previna, e não há prevenção que nos proteja dela. Há de vir como a estiagem e a chuva sempre chegam. Nossa questão passa a ser o desenvolvimento de recursos, então. E não há recurso maior que o encontro amoroso. Intenso e verdadeiro, mas também cálido e apaziguador. Gratuito? Jamais. Antes, é preciso que seja caro, dispendioso de tempo, de energia, de investimento. Nada ao acaso, quase tudo conquista. É preciso que se tenha consciência do amor. E absolutamente necessário que se tenha medo de perdê-lo (mesmo sabendo antecipadamente que isto é inevitável). Mais imprescindível ainda, no entanto, é o medo de abandonar-se. Não é o outro que nos impede, que nos aprisiona, que nos torna dependentes. Somos nós que o fazemos por nossa própria incompetência. O outro, ou o amor, nos serve apenas como pretexto. Um mau pretexto. Um mau uso.

Sobre a liberdade, aquela para qual nunca é uma palavra que não existe, tomemo-la pela mão. Não há amarra mais singela posto que desprovida de força.

Meu amigo, as revoluções acontecem também no silêncio. Há na insatisfação uma força motriz de transformação: Um dedo apontado para a necessidade de fazer de outro modo, de rever o estabelecido, de sair da repetição do que nos leva ao mesmo destino.

É por aí que tenho andado, entre revoluções, reviravoltas e silêncios... Um tanto longos, é verdade, mas necessários, posto que neles me escuto com eco, e sem interferências.

Só mais uma coisa: saudade é testemunho, de que vida(!) houve. Quero guardá-la toda, como coisa minha, daquelas que não abro mão.

Beijo-lhe, desta vez na boca, por exigir de novo a minha voz. Para dizer-te, disse-me antes. Muito obrigada.
Guilhermina

terça-feira, 4 de agosto de 2009

como é grande o meu amor por você - por Visconde de Albuquerque

Rainha, minha incandescente amiga,

Teu telefonema hoje encheu-me de quentura e reviravoltas mentais. Coloquei uma plaquinha de volto logo na quitanda e fui caminhar na praia. Ato contínuo, vi-me a tecer conversações contigo, sempre animado e ávido a escutar-te, com invariavelmente tanta luz. Apaixona-me, por impressionante, teu universo em que nada é gratuito, bóia na superfície, patina a esmo. Chegas a mim como um invencível estopim a explodir memórias, sentidos, raciocínios. És uma brasa, mora! Desculpe-me a expressão popular, querida, mas é que escrevo, por mais que incrível pareça, ainda sob o impacto violentíssimo que foi o show de Roberto. Duda, a meu lado, entre incrédula, assustada e compadecida, olhava-me de esguelha, como a buscar entender o que se passava no imo de seu parceiro àquela noite. Pois que eu, copiosamente, chorava. A ponto de, diante de tantas emoções, passar-te um torpedo, amiga, procurando dividir contigo momentos de tão forte supressão da consciência, em que tudo era transbordamento.

Quando Erasmo começou a cantar, o Rei chorou. Erasmo chorou. Fiz o que? O que era mister: acompanhei a ambos. Éramos Erasmo. O jantar que Duda tão amavelmente trouxera, tal e qual o café da manhã do cantor de Cachoeiro, esfriava na mesa. Como interromper aquele desfilar de redemoinhos sensitivos? Não queria que o assado se transmutasse em caldo fumegante inundado pelas lágrimas em abundância.

Roberto, o Rei de tantos, do Brasil. E meu também. Dirás: mas e Buarque, seu nobre de meia tigela, aristocrata decadente, comprador barato de títulos e brasões forjados em falsificações rudimentares? Onde a fidalguia numa criatura que deita prantos à audição dos primeiros acordes de "Você" (com esta, na voz de Bethânia, já fizera poças no Canecão dois anos antes). Que vai dormir (consciente) embalado pelos noturnos de Chopin, mas que sonha mesmo (subconsciente) é com as boas e velhas canções do cavaleiro da Urca? À maneira de Dani, perdoa, querida, esse nobre vagabundo.

Mas, cáspite, do cordial filho de Sergio, o que falar? Acontece que as emoções de Francisco têm sempre porta-vozes, personagens, escudos. Mesmo Caetano e Gil se expõem, muito, em relação as suas vidas pessoais. Mas Roberto, esse é todo exposição. Tudo acontece na primeira pessoa. É ele, sempre, a falar dele. Do drama do acidente, do drama do filho, das relações com a mãe, o pai, com o melhor amigo. Da mulher que mais amou. Suas relações religiosas. Que artista, de primeira linha, se coloca como ele? Irmãos, é preciso coragem. Não há aquela máxima de que quem quer falar ao mundo que fale de seu quintal?

E Roberto tem sido incansável na abordagem de seu próprio pátio, sobretudo seus jardins de inverno e, mais sobretudo ainda, seus sítios de amores passionais. Muito me fascina esse campo das relações a dois. Quando eu era jovem e tolo (e isso se perde na noite dos tempos, embora a segunda característica continue valendo), não conseguia ver graça nas coisas do mundo na ausência de uma interlocutora amorosa. A visão de um entardecer, uma viagem, uma comida diferente, um resultado importante no trabalho, tudo isso se enfraquecia em valor se não merecesse a chancela de uma alma enamorada. Era eu quase que um terceiro autor de Inútil Paisagem (Tom Jobim & Aloysio de Oliveira). Ah, o bendito passar das horas, que não há só de encher-nos de rugas e cabelos brancos. Ao modo de um antijornalista, que nem sequer sabe o seu próprio lead, ignoro como, quando, onde ou porque essa percepção modificou-se. Mudei eu. Roberto, não. Porque só muda quem precisa mudar.

Hoje, obstino-me, com todas os meus dínamos, a explorar meus jardins de inverno, outono, primavera, verão. Dedico-me a promover excursões permanentes ao meu meio rural, zonas interiores, ambientes inóspitos, regiões desérticas, fronteiras glaciais, paisagens camufladas. E quão trabalhosas são essas expedições! Que labor o exercício da própria construção. Quanta solidão e tijolos nessa procura. Quisera ser compositor, para refazer em canções lindas as pegadas antigas e frescas de tantas viagens. E, rainha - não sei bem porque (muitos risos) -, é esta uma agenda que tanto me transpõe a ti. Eu tenho tanto pra lhe falar, e é com as palavras do Rei que sei dizer: Como é grande o meu amor por você! Por me inspirar, me motivar nessa busca, que é o que realmente interessa nessa vida. Sem você, meu mundo é diferente. Estou tão feliz!

Quanto a "Você", está em
http://www.youtube.com/watch?v=4PE1FWg3gJY

Abraço-te, com tanta saudade.
Teu,
Albuquerque.