terça-feira, 4 de agosto de 2009

como é grande o meu amor por você - por Visconde de Albuquerque

Rainha, minha incandescente amiga,

Teu telefonema hoje encheu-me de quentura e reviravoltas mentais. Coloquei uma plaquinha de volto logo na quitanda e fui caminhar na praia. Ato contínuo, vi-me a tecer conversações contigo, sempre animado e ávido a escutar-te, com invariavelmente tanta luz. Apaixona-me, por impressionante, teu universo em que nada é gratuito, bóia na superfície, patina a esmo. Chegas a mim como um invencível estopim a explodir memórias, sentidos, raciocínios. És uma brasa, mora! Desculpe-me a expressão popular, querida, mas é que escrevo, por mais que incrível pareça, ainda sob o impacto violentíssimo que foi o show de Roberto. Duda, a meu lado, entre incrédula, assustada e compadecida, olhava-me de esguelha, como a buscar entender o que se passava no imo de seu parceiro àquela noite. Pois que eu, copiosamente, chorava. A ponto de, diante de tantas emoções, passar-te um torpedo, amiga, procurando dividir contigo momentos de tão forte supressão da consciência, em que tudo era transbordamento.

Quando Erasmo começou a cantar, o Rei chorou. Erasmo chorou. Fiz o que? O que era mister: acompanhei a ambos. Éramos Erasmo. O jantar que Duda tão amavelmente trouxera, tal e qual o café da manhã do cantor de Cachoeiro, esfriava na mesa. Como interromper aquele desfilar de redemoinhos sensitivos? Não queria que o assado se transmutasse em caldo fumegante inundado pelas lágrimas em abundância.

Roberto, o Rei de tantos, do Brasil. E meu também. Dirás: mas e Buarque, seu nobre de meia tigela, aristocrata decadente, comprador barato de títulos e brasões forjados em falsificações rudimentares? Onde a fidalguia numa criatura que deita prantos à audição dos primeiros acordes de "Você" (com esta, na voz de Bethânia, já fizera poças no Canecão dois anos antes). Que vai dormir (consciente) embalado pelos noturnos de Chopin, mas que sonha mesmo (subconsciente) é com as boas e velhas canções do cavaleiro da Urca? À maneira de Dani, perdoa, querida, esse nobre vagabundo.

Mas, cáspite, do cordial filho de Sergio, o que falar? Acontece que as emoções de Francisco têm sempre porta-vozes, personagens, escudos. Mesmo Caetano e Gil se expõem, muito, em relação as suas vidas pessoais. Mas Roberto, esse é todo exposição. Tudo acontece na primeira pessoa. É ele, sempre, a falar dele. Do drama do acidente, do drama do filho, das relações com a mãe, o pai, com o melhor amigo. Da mulher que mais amou. Suas relações religiosas. Que artista, de primeira linha, se coloca como ele? Irmãos, é preciso coragem. Não há aquela máxima de que quem quer falar ao mundo que fale de seu quintal?

E Roberto tem sido incansável na abordagem de seu próprio pátio, sobretudo seus jardins de inverno e, mais sobretudo ainda, seus sítios de amores passionais. Muito me fascina esse campo das relações a dois. Quando eu era jovem e tolo (e isso se perde na noite dos tempos, embora a segunda característica continue valendo), não conseguia ver graça nas coisas do mundo na ausência de uma interlocutora amorosa. A visão de um entardecer, uma viagem, uma comida diferente, um resultado importante no trabalho, tudo isso se enfraquecia em valor se não merecesse a chancela de uma alma enamorada. Era eu quase que um terceiro autor de Inútil Paisagem (Tom Jobim & Aloysio de Oliveira). Ah, o bendito passar das horas, que não há só de encher-nos de rugas e cabelos brancos. Ao modo de um antijornalista, que nem sequer sabe o seu próprio lead, ignoro como, quando, onde ou porque essa percepção modificou-se. Mudei eu. Roberto, não. Porque só muda quem precisa mudar.

Hoje, obstino-me, com todas os meus dínamos, a explorar meus jardins de inverno, outono, primavera, verão. Dedico-me a promover excursões permanentes ao meu meio rural, zonas interiores, ambientes inóspitos, regiões desérticas, fronteiras glaciais, paisagens camufladas. E quão trabalhosas são essas expedições! Que labor o exercício da própria construção. Quanta solidão e tijolos nessa procura. Quisera ser compositor, para refazer em canções lindas as pegadas antigas e frescas de tantas viagens. E, rainha - não sei bem porque (muitos risos) -, é esta uma agenda que tanto me transpõe a ti. Eu tenho tanto pra lhe falar, e é com as palavras do Rei que sei dizer: Como é grande o meu amor por você! Por me inspirar, me motivar nessa busca, que é o que realmente interessa nessa vida. Sem você, meu mundo é diferente. Estou tão feliz!

Quanto a "Você", está em
http://www.youtube.com/watch?v=4PE1FWg3gJY

Abraço-te, com tanta saudade.
Teu,
Albuquerque.

5 comentários:

Nine de Azevedo disse...

Querido Visconde ,muito lindo sua cronica.Apesar de nao compartilhar seu amor pelo Rei ,o entendo.As vezes me sinto uma varredora do deserto nessa construçao de mim mesma,mas continuo inexoravelmente.bjs

Maria disse...

Já li tanto aqui, aprendi, admirei, apaixonei-me incansavelmente pelos sentimentos que compartilham nesta esquina; mas poucas coisas me enobreceram mais do que este texto. Teu Visconde faz a gente te querer bem sempre em maior escala, Rainha. E neste instante em que ele chorou, eu tb chorava... talvez por isso tenha me tocado tanto o coração em ternura.

Meu beijo

Unknown disse...

Vicomte

Vossas palavras me acompanham desde aquele fim de semana.
Assim como o vosso olhar,o vosso silêncio e principalmente a vossa emoção.
Anseio reencontrar-vos.
Beijo

Janaina Amado disse...

Muito bem: sem ser propriamente uma monarquista, compartilho seu respeito e amor pelo Rei, caro Visconde.

Albuquerque disse...

1. Nine, muitos e muitos beijos, agradecendo-te a atenção de sempre.

2. Maria, com esse nome lindo, o da mulher que mais amei na vida, minha avó, me embalas com doçura.

3. Duda, doeu não poder aceitar teu convite.

4. Janaína, se não eras propriamente uma monarquista, deves ter passado a sê-lo após o artigo do príncipe Dom Joãozinho de Orleans e Bragança esta semana no Globo. E viva o verdadeiro rei do Brasil, querida. Que há muito tempo alertou: "Todos estão surdos". Um beijo, amada Amado.

5. Guilhermina, saudades de te ouvir com mais vagar. Embraceable me.