quarta-feira, 30 de setembro de 2009

que pese em minha defesa

“A distinta Rainha, por acaso, tem ciência de que, a prosseguir com as infinitas publicações de textos em seu blog, nós, da Associação dos Moradores e Amigos da Esquina do Desacato, podemos processá-la, junto a International Blogsfera Incorporated Trading Company, por ultrapassar em muito os limites razoáveis de ocupação do espaço internético?

Cara, tamanho volume de pensamentos veiculados está prejudicando a velocidade padrão da rede! Caso ainda haja alguma fagulha de responsabilidade social nessa privilegiada mente, pense nisso!

Sem mais e num mau humorzinho suprajustificável.

Atenciosamente,

Assessora Jurídica do nobilíssimo Visconde de Albuquerque.”



Só podia vir do meu maravilhoso amigo, o Visconde, convocação tão severa quanto irônica, a fim de retirar-me do silencio e me provocar novamente às palavras. Cogitei, dada à severidade do texto, encaminhar aos doutores do direito uma solicitação de resposta, mas, pensando bem e considerando o afeto que estreita nossa longa amizade, resolvi eu mesma partir em minha defesa. Eis minhas considerações.


Caríssimo companheiro e representante dos amigos desta esquina,


Ando procurando motivos para expulsar o descrédito.


Não me serve a nostalgia que embala Joaquim, o Ferreira dos Santos, que na 2ª feira, 21/09, ocupou meia página do nosso “maior jornal” com a saudade das suas lembranças: Bat Masterson, Biotônico Fontoura e Trio Esperança (Valham-me deuses!Todos e muitos!)... Tampouco desejo o champanhe ou o cianureto que a ira consagrada do Jabor, no dia seguinte, nos oferecia como opções para acompanhar as sucessivas coisas que não aguentamos mais. Dispenso a alienação. Recuso o suicídio. E agora? Talvez José Castello tenha me promovido uma saída, na sugestão da travessia do meu deserto. Mas por favor, meu caro, que ninguém me chegue por perto a sugerir catedrais... No máximo me ofereça a cumplicidade das pontes – essa coisa que encontra apoio para oferecer passagem sobre abismos.


Quero um motivo que me mexa dentro, por dentro, pelo avesso. Recuso barganhas com a consciência, fingimentos diante daquilo que se vê, e especulações verbais. Quero um trilho para percorrer com o bonde chamado desejo. Quero uma verdade que não apenas revolte, mas revolucione. Quero dizer sem meias-palavras, e se possível, sem formalidades nem setting. E depois visitar o silêncio e escutar os ecos do que vem de dentro. Quero pulsão, pulsação, plus-ação. Quero ser atravessada pelo presente. E de tal modo, que outrora seja apenas o caminho que me trouxe até aqui. Quero a força matriz, a força motriz, aquela que me responde sobre mim, que ancora e parte, parte e encontra, perde e procura, acha e devolve, e pergunta, e provoca e transpira.


É assim, meu amigo: ando buscando motivo que possa sustentar a palavra e seu plural, na aceitação do desafio de ouvir o silêncio e depois dele, a agonia dos ruídos a procura de sentido, de organização semântica e corpo fonético. Ando atrás do imprevisível, do sensível ao toque, do deslumbramento, que seja por um instante, mas de tal forma recoberto de intensidade, que vislumbre a eternidade.


Às vezes rodo às escuras, como sempre acontece quando vamos derivando na evitação dos riscos. De repente estanco, zonza pelo rodopio no mesmo, no inerte, no estéril, no inócuo. Outras vezes, caminho desvairada, desavisada, perdida da bússola e das estrelas, tateando no reconhecimento de referências em que nelas eu me reencontre.


E como você vê, passa uma semana e duas e mais, e as palavras não me parecem próprias, não me parecem o bastante para que mereçam dicção. Então se esvaziam antes mesmo de ganharem papel e nanquim.


Assim que recebi sua intimação ao banco dos réus, encasquetei verdadeiramente em busca de uma explicação que fosse além dessa sensação de inadequação e desejei com honestidade ter mais a dizer, mas esta é toda a minha verdade. Desculpe-me se o decepciono.


Ontem, noutra segunda-feira, fui procurar novamente o Joaquim. O que poderia me trazer depois das suas saudades? De que presente me contaria? Pra que futuro roubaria meu olhar? Qual o quê? Lá estavam as reminiscências mais uma vez... ai que cansaço que tenho do mesmo... vou te poupar os detalhes desta vez.

Um beijo,

Guilhermina

imagem:
Gestalt 02. - de L. F. Calaça
http://www.o_enforcado.blogger.com.br/

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

só uma palavra me devora - por Visconde de Albuquerque

Finalmente, eis o texto do Visconde que, em mim, operou uma revolução. Só agora, duas semanas depois, ele chega nesta esquina, para obrigá-lo a acreditar que há coisas que não precisam de datas. Este texto é assim: imortal. Beijo, Guilhermina

***

Rainha, minha provocante amiga,

Acordei com tua tese em torno da paz. Era sábado bem cedinho, tempo frio, chovia. O corpo pedia um pouco mais de calma entre os lençóis. Mas a mente, essa deseducada, em alvoroço, sem modos e sem dar-lhe ouvidos, ansiava por abandonar o calor dos travesseiros como um prisioneiro estuda formas de se livrar das espessas barras de ferro. De um pulo, sentei-me aqui.


É esta uma das agendas recorrentes que temos, tu e eu. Tanto é que voltaste a ela na última postagem. Tu, recusando-a, a paz, peremptoriamente - no que me aturdes. Eu, tendo que ouvir de Duda, como a proteger-me: "Quero para ti um pouco de paz". Ora, ora. Que enrascada. Também eu gostaria de um pouco de paz, Maria Eduarda. Quanto mais não seja, até para saber como é. Ainda pouco sabes de mim, meu benzinho, mas logo te alerto: não passo de um atormentado, em sistemáticas tribulações. Guilhermina, amiga que me vês como a um vidro, rogo-te - vá em socorro desta alma desprevenida e revela minha verdadeira identidade. Muito prazer, ansiedade, teu nome é Albuquerque. Tensão, teu sobrenome. Não te iludas com este ator, linda menina de olhos verdes. Onde queres família, sou maluco, como bem me definiste.


Por fora, champanhe à beira-mar a contemplar a lua. Por dentro, uma explosão de conflitos, contradições, guerras de napalm, paióis de dinamite, trincheiras, munição pesada. Encobertos pelas nuvenzinhas azuladas do papel de parede decorativo, descortinam-se grotões, canyons, despenhadeiros, cavernas. Disfarçado de um aspirante a druida, um gladiador. Por trás de um projeto mal acabado de lord inglês - dedicado à arte de agradar às mulheres, na leda ilusão de ser amado por elas -, um viking, um bárbaro, um pirata. Que ninguém nos ouça, estamos falando de um impostor. É questão de tempo ser desmascarado.


Ainda protegido pelo anonimato, observo os semelhantes ao meu redor. Como podem ter paz quando há tanto a ser visto, ouvido, lido, pensado, escrito, conversado, abstraído, estudado, trabalhado, descoberto, viajado? Se a vida é criação e recriação diárias, a exigir renovação incansável? Se há urgência no aprofundamento do que implora a alma, em mergulhar na escuridão? Se é preciso sofisticar o conhecimento, refinar os sentidos, apurar o paladar? Se são tantas, mas tantas, inesgotáveis as questões?


Onde a paz, se preciso conhecer Fernando de Noronha; aprender francês para ler "À la recherche du temps perdu" no original; provar o sorvete de tangerina do Mil Frutas; ouvir o CD de Nelson Freire sobre Chopin; cozinhar para o meu amor, fazê-lo sorrir e brincar na doce intimidade dos apaixonados; te ver feliz, bonita e desafiante como sempre, Guilhermina; abraçar meus amigos; construir utopias; assistir ao DVD de Mart`nália; ver o Cirque du Soleil; jantar no El Bulli; entrevistar Marina Lima; saltar de asa delta para vencer o medo de altura; aprender a perdoar? E, acima de tudo, tentar desesperadamente escrever algo que preste em tua esquina, minha adorada? Como é possível não ter pressa, se tanta coisa me interessa, inclusive a Paula Toller?

"Luto não contra os que compram apartamento e carros e procuram casar e ter filhos, mas luto com extrema ansiedade por uma novidade de espírito". Clarice Lispector. Sempre Clarice. Nada do que posso me alucina tanto quanto o que não fiz. E, à maneira de Calcanhotto, "eu não tenho pena dos traídos, eu hospedo infratores e banidos, eu gosto dos que têm fome, dos que morrem de vontade, dos que secam de desejo, dos que ardem". A ação circular de mais do mesmo me consome. Ruptura é palavra linda.

Paz. Sem tê-la, sigo a imaginá-la, quase a flertar com ela. Intuo que deva ser uma brisa, um sopro tão bom como olhar demoradamente a quem amamos, abraçar na nossa cama o corpo que tanto desejamos, sentir o cheiro do cabelo da namorada. Ou a saudade dela, quando sabemos que nos aninharemos em seus braços ao final de um dia de trabalho, em total entrega e abandono. Enquanto a paz não invade o meu coração, minha rainha, eu pensei em ti, eu pensei em mim, eu chorei por nós. Que não temos sossego. Eu ainda mais que tu, por - em virtude de tamanha intemperança -, nem ao menos fazer idéia do que vou ser quando (e se) crescer.


Deixo-vos com a inebriante "Canto Triste", de Vinícius e Edu Lobo (na voz deste), a qual amanheceu no mencionado sábado comigo:

http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umamusica&nomeplaylist=005756-3_10<@>Edu_e_Tom<@>Canto_Triste<@>Tom_Jobim/Edu_Lobo<@>0339<@>Edu_Lobo/Tom_Jobim<@>POLYGRAM<@>Mercury


E, para completar a trilha melancólica, mais duas de Vinícius (com Tom):


"Modinha", na voz de Elis.

http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umamusica&nomeplaylist=002090-4_04<@>Elis_e_Tom<@>Modinha<@>Elis_Regina/Antonio_Carlos_Jobim<@>0212<@>Antonio_Carlos_Jobim/Elis_Regina<@>POLYGRAM<@>Philips


"Serenata do Adeus", na voz de Eugênia Melo e Castro:

http://b.radio.musica.uol.com.br/radio/index.php?param1=homebusca&check=musica&busca=serenata%20do%20adeus#

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

se a gente se transforma no encontro

Meu amado amigo,

Quantas conjecturas sobre o futuro que já se adianta para o agora... diga-me uma coisa, para onde foi a infância? E pensar que eu gastava horas me perguntando o que haveria de existir no “tempo das minhas filhas” que me seria impossível de absorver... É curiosa essa expressão que determina os donos de cada tempo, não? Por estes dias, conversando com a minha mais velha, dona agora dos seus 22 anos, chamando a si mesma de adolescente (para meu colapso iminente!, é claro) sem nenhum constrangimento, mesmo diante do fato de que, justamente na minha passagem pela atual idade que visita agora, ela nascia. Querido, como é fresca na memória aquela sensação: a vida nos meus braços e o sentimento de que pela primeira vez eu fazia algo sem retorno, sem possibilidade de arrependimento, sem perhaps nem porém.

Pois, conversando com ela, escutei seu relato sobre as maravilhas dos anos 80, sobre certa paixão retrô que ela e as amigas nutrem pelo período, numa pretensa atitude cult, e da indignação que sentem quando as pessoas denominam como a “década do vazio” tal período da história da nossa humanidade. Enquanto a escutava, ia me lembrando da atração que a década de 60 exerce sobre mim. Será, meu caro, que ganhando a tecnologia, acabamos por precisar visitar o passado no qual nos forjamos para saber quem somos? Se isso faz algum sentido, vale guardar a capa do caderno Prosa e Verso do sábado, 22 de agosto – Um nome para este tempo. Talvez você possa presentear seus pimpolhos daqui a alguns anos, ajudando-os a conhecerem a si mesmos.

A esta altura, você deve estar pensando que esta sua amiga é mesmo do contra. Pois reafirmo: só o medo da perda (e repare, o medo, não o pânico) nos faz cauteloso com o que nos é precioso. Acho curioso o estigma que certos sentimentos ganham, como se carregassem contornos patológicos e só existissem nesse estado. Não conheço sentimento desnecessário. Nenhum. Cada um cumpre sua função e dela é Mestre. O desafio é sua dissecação de sentido até que possamos escutá-los. Só assim ouvimos a nós mesmos com a verdade inteira que podemos existir, plena de idiossincrasias, fragilidades e possibilidades.

E não é que continuo mais calada que falante? Ando pensando um bocado sobre o sentido da existência, pelo qual a vida não seja somente um cumprimento dos dias em intermináveis pagamentos de contas e acertos de dívidas. Faz pouco tempo situei esse sentido na diferença que fazemos no contato com o outro. Esse exercício mágico de transformar e sermos transformados no encontro.

Recentemente, enquanto eu pedia por um bom porquê para seguir escrevendo devaneios e dissidências por estas bandas, ocorreu-me fato instigante. Através do e-mail do outro blog – missivas do porto e do rio – no qual me correspondo com Cecília, recebi um bilhete de Mercedes, pessoa querida da minha vida, a quem não via há mais ou menos 15 anos. Não preciso dizer que emoção é palavra pouca para expressar o que experimentei nesse abraço, virtual só por enquanto, e por pouco tempo.

Em meio às notícias de lá e de cá, ela me conta que terminou uma pesquisa sobre a importância do afeto na apreensão do conhecimento. Pesquisa sistematizada por seu trânsito em Secretarias de Educação pelo interior do estado. Pesquisa que dedicou a mim, por segundo ela, tê-la provocado a pensar no assunto. Eu?


Pois bem, se fiz isso, quem era o eu capaz de fazê-lo? Onde guardei a contundência do discurso, da energia, da capacidade de contaminar o outro a privilegiar afetos? Eu mesma vivo me perdendo dos meus, vivo encaixotando-os como se fossem aqueles percevejos que, ao toque, exalam odor desagradável... vivo esculpindo máscaras e argumentos que convençam a mim e aos outros de que os afetos a solta ou te deixam vulnerável ou te tornam piegas e ultrapassados. Vivo guardando minha surpresa para conseguir conviver na hostilidade dos espertos, tão experts em dribles, em aritmética, em inteligências... Encontrar Mercedes foi como reencontrar a mim, aquela que aprisionei nos grilhões... e de quem me tornei feitora.

Meu Visconde, voltei correndo a sua última carta, ainda na minha caixa postal (para torná-la pública em breve). Voltei intuindo que algo dela me escapara, como se a tivesse lido por algum acesso muito restrito, pequeno, apertado. Não deu outra: só desta vez pude entregar-me ao deslumbramento da tua alma. E é por isso que te peço licença para preparar o espírito dos amigos para o que está por vir. Escutem.

Jura Secreta e Encontro das Almas

Eu agradeço a existência dos que me devolvem a mim, exigindo que eu seja o exercício do meu melhor, e do meu desafio em ser,

Um beijo,
Guilhermina