
Quão reconfortante é tornar a ler teus sempre atenciosos comentários para minhas turvas idéias! Sempre grande o teu carinho. O embaroçoso é que perguntavas sobre os BRICs. De antemão, mister se faz avisar-te que tua alma sensível não merece receber o que há por vir. Mas não tenho como deixar de atender à solicitação de uma dama, mormente se essa dama és tu. Brasileira, rogo-te: vá até a janela, respira fundo, pega água fresca com folhas de hortelã. Enfim, prepara-te. Ou, se já te basta, ficas por aqui, direito inalienável teu, previsto na Constituição.
Em razão da cúpula reunida em Ecaterimburgo, seria oportuno debruçarmo-nos sobre essa candente questão. Mas, de pronto, meu único ímpeto caminha no sentido do pensamento reducionista de que os RICs vão muito bem, obrigado. O problema, caspite! é o B. Acabo de conversar, coincidentemente, com uma importante liderança do setor têxtil, como se sabe, de alta relevância na pauta das exportações nacionais pelo expressivo valor agregado de sua cadeia. Contou-me o empresário que nossas indústrias enfrentam outras lá fora beneficiadas por toda a sorte de incentivos fiscais, e isso inclui os queridos RICs, sobretudo C. E que aqui o governo não atenta para a importância desse setor, que representa um dos maiores empregadores de mão de obra do Brasil, abaixo apenas da área de Alimentos e Bebidas, no sentido de fortalecer a competitividade tupiniquim. Segundo ele, estamos abrindo mão desses postos de trabalho para os países asiáticos em troca de commodities. É aí que deixamos de falar de decisões estritamente ligadas à esfera econômica para dar lugar à vontade política.
Fui um eleitor de Lula de primeira hora. Ainda assim, no governo Fernando Henrique, agastava-me perceber a dificuldade de gerir o país com o principal partido de oposição ceifando-lhe as iniciativas - do que são provas as ameaças de instalar CPIs por tudo e por nada -, ao mesmo tempo em que condenava febrilmente as alianças, necessárias à qualquer administração, costuradas na chamada direita. Idiota que sou, qual o Eremildo de Gaspari, achava eu que, após tantas lutas para vencer um inimigo comum, Fernando e Luís deveriam era estar lado a lado na condução de um país melhor. Uma vez, estive no gabinete de FHC e ele, em audiência com uma delegação da Fifa, mandou: "Vocês querem que eu fale em inglês ou francês"? Não é nada, não é nada...não é nada. Mas, diante do absoluto (e absurdo) desinteresse de, digamos, certos brasileiros em falar corretamente a própria língua, convenhamos, é um feito e tanto para um aspirante a estadista. Que não quer menas coisa. Imaginava eu o quanto Fernando Henrique - a quem nunca confiei um voto -, um democrata, louco para estabelecer diálogos políticos de alto nível, devia ser avesso àquela roda toda de negociações de acordos debaixo do pano com gente que... Posso estar enganado.
Minha desilusão com Luís começou com aquela história da deportação do jornalista americano que ousou escrever que o presidente bebia além da conta. Ali, senti, de imediato, um cheiro de democracia queimada. Para quem se julga injuriado, há a via de abertura de processo na justiça comum por calúnia. Simples assim. Mas "nosso guia" (de novo, Gaspari) chegou a um extremo tal que, não combatido a contento pela própria imprensa brasileira - como, de resto, passou incólume por todo o escândalo do mensalão - , fez o que fez.
Pulando (muitas) outras etapas, veio recentemente o famigerado blog da Petrobras, Que nada mais é, sob o pretexto de "democratizar" o acesso às informações da companhia, do que a usurpação do direito intelectual dos profissionais. Imagine que, dentro do jornalismo, já há os chamados setoristas, que cobrem áreas específicas (Cultura, Esporte, Política etc.). Dentro da própria editoria de Economia, existem segmentações para tratar de energia, logística, mercado financeiro and so on. Em miúdos, gente ultraespecializada em seus haveres. Que conhece e analisa em profundidade a área em que atua, em função de suas relações de credibilidade com as diversas fontes de apuração. Portanto, evidentemente, quanto mais credenciado o jornalista, tanto melhor serão suas pautas, mais acuradas suas perguntas. À medida que todo esse conhecimento e esforço pessoal - pertencente a ele, em particular, e ao veículo em que trabalha - é jogado via internet para ser aproveitado comercialmente - e a custo zero - por quem quer que seja, é o fim da qualificação individual. Para que, afinal, vou dar-me ao trabalho de estudar, pesquisar, enfim, compreender com apuro às questões relacionadas a petróleo e cia., se isso tudo me é dado de barato por intermédio de um prosaico clique? Deixe que digam, que pensem, que falem. E que, principalmente, trabalhem por mim.
Não bastasse isso, agora surge a inacreditável oferta de Lula de uma coluna semanal para a imprensa como um todo no Brasil. O presidente se dispõe a responder perguntas formuladas por todo e qualquer órgão. Desde que esta coluna seja publicada em um determinado dia (às terças feiras), dentro de formato específico - se me recordo, 3 perguntas por vez - e, claro, reservando-se o governo a escolher quais serão elas. Se, de fato, o presidente tem tanto interesse em apresentar e esclarecer dúvidas via imprensa sobre suas ações, porque não convocar amiúde entrevistas coletivas no Palácio? Que me lembre, elas não passaram de duas ou três ao longo desses dois mandatos. O mais triste é que não vi - salvo engano - nenhuma reação na imprensa a essa tentativa escandalosa de interferir na agenda jornalística do País. O mundo gira, a lusitana roda e...tome polca! Sem contar que José Sarney não é uma pessoa comum, quem desmatou não é bandido e...
Nine, querida, só peço que teu instinto de autopreservação tenha falado mais alto e te impedido de chegar até aqui. Se, por acaso, cometeste o tresloucado ato, perdoa-me por te magoares com tantas observações insensíveis. Da próxima vez em que te deparares com minhas choramingolas, segue rumos mais certeiros. Toma uma banho quente e relaxante, põe um CD de Piazzolla, telefona a um amigo, prepara teu risoto. E aceita este pôr do sol como escusas por tanta chateação. Eu, por meu turno, gelarei os chandons rosés que acabo de ganhar. E a alegria não tardará.
Um beijo.
Obs - Imperdível: 7 de julho, às 20h, Teatro Villa-Lobos - Orquestra de Solistas do Rio de Janeiro, Guinga e Leila Pinheiro