quinta-feira, 29 de outubro de 2009

barulhinho bom - por Nine

Barulhinho Bom...

Esquina parada, deserta, quase ninguém por aqui... Não me conformei, resolvi escrever, fazer um pouco de barulho, para ver se aparece alguém...

Também ando sumida, estava correndo atrás de mais uma das minhas ilusões, trabalhando, criando coisas para casa. Agora estou numa fase "queroumacasalinda". Mudei todas as almofadas dos sofás, fiz guirlanda de primavera, passarinhos de feltros... pareço uma Martha Steward dos trópicos, e com bem menos dinheiro, claro!

Vou visitar a filha n°1 na Ilha dia 4 e passar uma longa temporada lá de férias. Genro (deve ser doido querer sogra por perto!), filha e netos querem me convencer a mudar para lá. Enumeram as vantagens via Tim infinity (ainda bem que existe!) de morar numa cidade pequena, quase no centro do Brasil com um calor das Arábias e sem o Lawrence! Então estou entre: vender meu ap e ir para o Rio e ficar perto do filho N°3, mas que agora resolveu virar sitiante e está indo morar em Paulo de Frontin em novembro para plantar orgânicos numa fazenda de 100.000m, ou vender ap e ir para ilha junto da filha N°1, onde o custo de uma casa com piscina, varanda e jardins custa uma bagatela em relação à SP, capital...

Vida amorosa mais parada que essa esquina, tanto que já praticamente desisti dela. Resolvi entrar numa egotrip, eu me amo, esses caras que querem mulheres siliconadas e jovens quando já estão com mais de 50 anos, são uns idiotas de perderem minha maravilhosa, inteligente e prendada companhia. Azar o deles! Me divirto mais agora com minhas amigas, filhas, filho, primos e primas. Não é conversa da raposa com as uvas (quem não conhece a fabula, não brinca!). Ainda gostaria muito de encontrar alguém para ser meu par no que me resta de vida, mas cansei de procurar; talvez assim ele apareça.


Continuo com minha academia 5 vezes por semana quando meu ciático ou gripes me permitem, vou só para me exercitar e encontrar amigas. E sabe aquelas conversas de "feminices": falamos dos filhos, das liquidações, do preço da batata que subiu 3 vezes só esse mês no super (alguém sabe o porque? as chuvas talvez...), trocamos receitas, política dos americanos, do Brasil, do pré-sal, do Lula, de "fofices", de blogs bacanas etc... Enfim, estamos todas levando nossas vidas cotidianas sem muito glamour, mas em paz, tenho dormido bem, sem remédios... o que para mim é uma beleza!


Não emagreci um grama, mas aprendi novas receitas. Aliás, caro Visconde, fiz um peito de frango com laranja, gengibre e com louro, tomilho e alecrim, que creio não iria decepcioná-lo. Também ando a rainha dos muffins ou cupcakes, como preferirem, faço uns gostosos e lindinhos também.

Então é isso pessoal da esquina, estou vivendo minha vida, um passito de cada vez, no presente e estou bem comigo mesma. Minha amiga Janete, que é psicóloga, acabou de me convidar para um cruzeiro até Salvador em março, vão casados e descasados. Resolvi aceitar, nunca fui a cruzeiros, tenho meio preconceito, confesso. Mas ela falou que se divertiu bastante no último que foi, ela é super animada e vou experimentar. Ando assim, experimentando coisas... Experimentem também! beijos ao povo da esquina e saudades muitas de você, rainha!

Nine de Azevedo

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

que pese em minha defesa

“A distinta Rainha, por acaso, tem ciência de que, a prosseguir com as infinitas publicações de textos em seu blog, nós, da Associação dos Moradores e Amigos da Esquina do Desacato, podemos processá-la, junto a International Blogsfera Incorporated Trading Company, por ultrapassar em muito os limites razoáveis de ocupação do espaço internético?

Cara, tamanho volume de pensamentos veiculados está prejudicando a velocidade padrão da rede! Caso ainda haja alguma fagulha de responsabilidade social nessa privilegiada mente, pense nisso!

Sem mais e num mau humorzinho suprajustificável.

Atenciosamente,

Assessora Jurídica do nobilíssimo Visconde de Albuquerque.”



Só podia vir do meu maravilhoso amigo, o Visconde, convocação tão severa quanto irônica, a fim de retirar-me do silencio e me provocar novamente às palavras. Cogitei, dada à severidade do texto, encaminhar aos doutores do direito uma solicitação de resposta, mas, pensando bem e considerando o afeto que estreita nossa longa amizade, resolvi eu mesma partir em minha defesa. Eis minhas considerações.


Caríssimo companheiro e representante dos amigos desta esquina,


Ando procurando motivos para expulsar o descrédito.


Não me serve a nostalgia que embala Joaquim, o Ferreira dos Santos, que na 2ª feira, 21/09, ocupou meia página do nosso “maior jornal” com a saudade das suas lembranças: Bat Masterson, Biotônico Fontoura e Trio Esperança (Valham-me deuses!Todos e muitos!)... Tampouco desejo o champanhe ou o cianureto que a ira consagrada do Jabor, no dia seguinte, nos oferecia como opções para acompanhar as sucessivas coisas que não aguentamos mais. Dispenso a alienação. Recuso o suicídio. E agora? Talvez José Castello tenha me promovido uma saída, na sugestão da travessia do meu deserto. Mas por favor, meu caro, que ninguém me chegue por perto a sugerir catedrais... No máximo me ofereça a cumplicidade das pontes – essa coisa que encontra apoio para oferecer passagem sobre abismos.


Quero um motivo que me mexa dentro, por dentro, pelo avesso. Recuso barganhas com a consciência, fingimentos diante daquilo que se vê, e especulações verbais. Quero um trilho para percorrer com o bonde chamado desejo. Quero uma verdade que não apenas revolte, mas revolucione. Quero dizer sem meias-palavras, e se possível, sem formalidades nem setting. E depois visitar o silêncio e escutar os ecos do que vem de dentro. Quero pulsão, pulsação, plus-ação. Quero ser atravessada pelo presente. E de tal modo, que outrora seja apenas o caminho que me trouxe até aqui. Quero a força matriz, a força motriz, aquela que me responde sobre mim, que ancora e parte, parte e encontra, perde e procura, acha e devolve, e pergunta, e provoca e transpira.


É assim, meu amigo: ando buscando motivo que possa sustentar a palavra e seu plural, na aceitação do desafio de ouvir o silêncio e depois dele, a agonia dos ruídos a procura de sentido, de organização semântica e corpo fonético. Ando atrás do imprevisível, do sensível ao toque, do deslumbramento, que seja por um instante, mas de tal forma recoberto de intensidade, que vislumbre a eternidade.


Às vezes rodo às escuras, como sempre acontece quando vamos derivando na evitação dos riscos. De repente estanco, zonza pelo rodopio no mesmo, no inerte, no estéril, no inócuo. Outras vezes, caminho desvairada, desavisada, perdida da bússola e das estrelas, tateando no reconhecimento de referências em que nelas eu me reencontre.


E como você vê, passa uma semana e duas e mais, e as palavras não me parecem próprias, não me parecem o bastante para que mereçam dicção. Então se esvaziam antes mesmo de ganharem papel e nanquim.


Assim que recebi sua intimação ao banco dos réus, encasquetei verdadeiramente em busca de uma explicação que fosse além dessa sensação de inadequação e desejei com honestidade ter mais a dizer, mas esta é toda a minha verdade. Desculpe-me se o decepciono.


Ontem, noutra segunda-feira, fui procurar novamente o Joaquim. O que poderia me trazer depois das suas saudades? De que presente me contaria? Pra que futuro roubaria meu olhar? Qual o quê? Lá estavam as reminiscências mais uma vez... ai que cansaço que tenho do mesmo... vou te poupar os detalhes desta vez.

Um beijo,

Guilhermina

imagem:
Gestalt 02. - de L. F. Calaça
http://www.o_enforcado.blogger.com.br/

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

só uma palavra me devora - por Visconde de Albuquerque

Finalmente, eis o texto do Visconde que, em mim, operou uma revolução. Só agora, duas semanas depois, ele chega nesta esquina, para obrigá-lo a acreditar que há coisas que não precisam de datas. Este texto é assim: imortal. Beijo, Guilhermina

***

Rainha, minha provocante amiga,

Acordei com tua tese em torno da paz. Era sábado bem cedinho, tempo frio, chovia. O corpo pedia um pouco mais de calma entre os lençóis. Mas a mente, essa deseducada, em alvoroço, sem modos e sem dar-lhe ouvidos, ansiava por abandonar o calor dos travesseiros como um prisioneiro estuda formas de se livrar das espessas barras de ferro. De um pulo, sentei-me aqui.


É esta uma das agendas recorrentes que temos, tu e eu. Tanto é que voltaste a ela na última postagem. Tu, recusando-a, a paz, peremptoriamente - no que me aturdes. Eu, tendo que ouvir de Duda, como a proteger-me: "Quero para ti um pouco de paz". Ora, ora. Que enrascada. Também eu gostaria de um pouco de paz, Maria Eduarda. Quanto mais não seja, até para saber como é. Ainda pouco sabes de mim, meu benzinho, mas logo te alerto: não passo de um atormentado, em sistemáticas tribulações. Guilhermina, amiga que me vês como a um vidro, rogo-te - vá em socorro desta alma desprevenida e revela minha verdadeira identidade. Muito prazer, ansiedade, teu nome é Albuquerque. Tensão, teu sobrenome. Não te iludas com este ator, linda menina de olhos verdes. Onde queres família, sou maluco, como bem me definiste.


Por fora, champanhe à beira-mar a contemplar a lua. Por dentro, uma explosão de conflitos, contradições, guerras de napalm, paióis de dinamite, trincheiras, munição pesada. Encobertos pelas nuvenzinhas azuladas do papel de parede decorativo, descortinam-se grotões, canyons, despenhadeiros, cavernas. Disfarçado de um aspirante a druida, um gladiador. Por trás de um projeto mal acabado de lord inglês - dedicado à arte de agradar às mulheres, na leda ilusão de ser amado por elas -, um viking, um bárbaro, um pirata. Que ninguém nos ouça, estamos falando de um impostor. É questão de tempo ser desmascarado.


Ainda protegido pelo anonimato, observo os semelhantes ao meu redor. Como podem ter paz quando há tanto a ser visto, ouvido, lido, pensado, escrito, conversado, abstraído, estudado, trabalhado, descoberto, viajado? Se a vida é criação e recriação diárias, a exigir renovação incansável? Se há urgência no aprofundamento do que implora a alma, em mergulhar na escuridão? Se é preciso sofisticar o conhecimento, refinar os sentidos, apurar o paladar? Se são tantas, mas tantas, inesgotáveis as questões?


Onde a paz, se preciso conhecer Fernando de Noronha; aprender francês para ler "À la recherche du temps perdu" no original; provar o sorvete de tangerina do Mil Frutas; ouvir o CD de Nelson Freire sobre Chopin; cozinhar para o meu amor, fazê-lo sorrir e brincar na doce intimidade dos apaixonados; te ver feliz, bonita e desafiante como sempre, Guilhermina; abraçar meus amigos; construir utopias; assistir ao DVD de Mart`nália; ver o Cirque du Soleil; jantar no El Bulli; entrevistar Marina Lima; saltar de asa delta para vencer o medo de altura; aprender a perdoar? E, acima de tudo, tentar desesperadamente escrever algo que preste em tua esquina, minha adorada? Como é possível não ter pressa, se tanta coisa me interessa, inclusive a Paula Toller?

"Luto não contra os que compram apartamento e carros e procuram casar e ter filhos, mas luto com extrema ansiedade por uma novidade de espírito". Clarice Lispector. Sempre Clarice. Nada do que posso me alucina tanto quanto o que não fiz. E, à maneira de Calcanhotto, "eu não tenho pena dos traídos, eu hospedo infratores e banidos, eu gosto dos que têm fome, dos que morrem de vontade, dos que secam de desejo, dos que ardem". A ação circular de mais do mesmo me consome. Ruptura é palavra linda.

Paz. Sem tê-la, sigo a imaginá-la, quase a flertar com ela. Intuo que deva ser uma brisa, um sopro tão bom como olhar demoradamente a quem amamos, abraçar na nossa cama o corpo que tanto desejamos, sentir o cheiro do cabelo da namorada. Ou a saudade dela, quando sabemos que nos aninharemos em seus braços ao final de um dia de trabalho, em total entrega e abandono. Enquanto a paz não invade o meu coração, minha rainha, eu pensei em ti, eu pensei em mim, eu chorei por nós. Que não temos sossego. Eu ainda mais que tu, por - em virtude de tamanha intemperança -, nem ao menos fazer idéia do que vou ser quando (e se) crescer.


Deixo-vos com a inebriante "Canto Triste", de Vinícius e Edu Lobo (na voz deste), a qual amanheceu no mencionado sábado comigo:

http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umamusica&nomeplaylist=005756-3_10<@>Edu_e_Tom<@>Canto_Triste<@>Tom_Jobim/Edu_Lobo<@>0339<@>Edu_Lobo/Tom_Jobim<@>POLYGRAM<@>Mercury


E, para completar a trilha melancólica, mais duas de Vinícius (com Tom):


"Modinha", na voz de Elis.

http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umamusica&nomeplaylist=002090-4_04<@>Elis_e_Tom<@>Modinha<@>Elis_Regina/Antonio_Carlos_Jobim<@>0212<@>Antonio_Carlos_Jobim/Elis_Regina<@>POLYGRAM<@>Philips


"Serenata do Adeus", na voz de Eugênia Melo e Castro:

http://b.radio.musica.uol.com.br/radio/index.php?param1=homebusca&check=musica&busca=serenata%20do%20adeus#

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

se a gente se transforma no encontro

Meu amado amigo,

Quantas conjecturas sobre o futuro que já se adianta para o agora... diga-me uma coisa, para onde foi a infância? E pensar que eu gastava horas me perguntando o que haveria de existir no “tempo das minhas filhas” que me seria impossível de absorver... É curiosa essa expressão que determina os donos de cada tempo, não? Por estes dias, conversando com a minha mais velha, dona agora dos seus 22 anos, chamando a si mesma de adolescente (para meu colapso iminente!, é claro) sem nenhum constrangimento, mesmo diante do fato de que, justamente na minha passagem pela atual idade que visita agora, ela nascia. Querido, como é fresca na memória aquela sensação: a vida nos meus braços e o sentimento de que pela primeira vez eu fazia algo sem retorno, sem possibilidade de arrependimento, sem perhaps nem porém.

Pois, conversando com ela, escutei seu relato sobre as maravilhas dos anos 80, sobre certa paixão retrô que ela e as amigas nutrem pelo período, numa pretensa atitude cult, e da indignação que sentem quando as pessoas denominam como a “década do vazio” tal período da história da nossa humanidade. Enquanto a escutava, ia me lembrando da atração que a década de 60 exerce sobre mim. Será, meu caro, que ganhando a tecnologia, acabamos por precisar visitar o passado no qual nos forjamos para saber quem somos? Se isso faz algum sentido, vale guardar a capa do caderno Prosa e Verso do sábado, 22 de agosto – Um nome para este tempo. Talvez você possa presentear seus pimpolhos daqui a alguns anos, ajudando-os a conhecerem a si mesmos.

A esta altura, você deve estar pensando que esta sua amiga é mesmo do contra. Pois reafirmo: só o medo da perda (e repare, o medo, não o pânico) nos faz cauteloso com o que nos é precioso. Acho curioso o estigma que certos sentimentos ganham, como se carregassem contornos patológicos e só existissem nesse estado. Não conheço sentimento desnecessário. Nenhum. Cada um cumpre sua função e dela é Mestre. O desafio é sua dissecação de sentido até que possamos escutá-los. Só assim ouvimos a nós mesmos com a verdade inteira que podemos existir, plena de idiossincrasias, fragilidades e possibilidades.

E não é que continuo mais calada que falante? Ando pensando um bocado sobre o sentido da existência, pelo qual a vida não seja somente um cumprimento dos dias em intermináveis pagamentos de contas e acertos de dívidas. Faz pouco tempo situei esse sentido na diferença que fazemos no contato com o outro. Esse exercício mágico de transformar e sermos transformados no encontro.

Recentemente, enquanto eu pedia por um bom porquê para seguir escrevendo devaneios e dissidências por estas bandas, ocorreu-me fato instigante. Através do e-mail do outro blog – missivas do porto e do rio – no qual me correspondo com Cecília, recebi um bilhete de Mercedes, pessoa querida da minha vida, a quem não via há mais ou menos 15 anos. Não preciso dizer que emoção é palavra pouca para expressar o que experimentei nesse abraço, virtual só por enquanto, e por pouco tempo.

Em meio às notícias de lá e de cá, ela me conta que terminou uma pesquisa sobre a importância do afeto na apreensão do conhecimento. Pesquisa sistematizada por seu trânsito em Secretarias de Educação pelo interior do estado. Pesquisa que dedicou a mim, por segundo ela, tê-la provocado a pensar no assunto. Eu?


Pois bem, se fiz isso, quem era o eu capaz de fazê-lo? Onde guardei a contundência do discurso, da energia, da capacidade de contaminar o outro a privilegiar afetos? Eu mesma vivo me perdendo dos meus, vivo encaixotando-os como se fossem aqueles percevejos que, ao toque, exalam odor desagradável... vivo esculpindo máscaras e argumentos que convençam a mim e aos outros de que os afetos a solta ou te deixam vulnerável ou te tornam piegas e ultrapassados. Vivo guardando minha surpresa para conseguir conviver na hostilidade dos espertos, tão experts em dribles, em aritmética, em inteligências... Encontrar Mercedes foi como reencontrar a mim, aquela que aprisionei nos grilhões... e de quem me tornei feitora.

Meu Visconde, voltei correndo a sua última carta, ainda na minha caixa postal (para torná-la pública em breve). Voltei intuindo que algo dela me escapara, como se a tivesse lido por algum acesso muito restrito, pequeno, apertado. Não deu outra: só desta vez pude entregar-me ao deslumbramento da tua alma. E é por isso que te peço licença para preparar o espírito dos amigos para o que está por vir. Escutem.

Jura Secreta e Encontro das Almas

Eu agradeço a existência dos que me devolvem a mim, exigindo que eu seja o exercício do meu melhor, e do meu desafio em ser,

Um beijo,
Guilhermina



domingo, 23 de agosto de 2009

o procedimento é pegar um táxi até Miriam - por Visconde de Albuquerque

Guilhermina, meu camafeu, alvíssaras!

Finalmente, saíste daquele silêncio que não te pertencia. De teu estupendo texto, ficou martelando-me o trecho: "É absolutamente necessário que se tenha medo de perdê-lo (o amor), mesmo sabendo antecipadamente que isto é inevitável". Lembrei no ato de Sandra Pêra, queridíssima e a quem muito aprecio os pensamentos frenéticos, fitando-me profundamente ao dizer: "Não tenha medo de perder (o amor). Quem tem medo de perder, perde". Oh, urgia ganhar a rua e refrescar os tórridos miolos. Que fazer?

Fechei a padaria mais cedo para sair com as crianças. O moleque, de 8 anos, e a afilhada, de 1. Fomos no restaurante preferido...dele. Céus, nessa idade e já com point gastronômico. E de muito bom gosto, por sinal. Levei presente para todos: para ele (aparelho de som), para a mãe dele (CD do Toni Platão), para a baby (uma casinha de pelúcia, de onde sai um cachorrinho), para a mãe dela, minha comadre (DVD do Djavan). Contudo, fui eu quem ganhou o maior presente. Para tudo existe Mastercard, mas estar com quem amamos, encerra clichê, bem sei, é sem dúvida irreembolsável.

Enquanto sorvia o prosecco gelado, observava aqueles dois serezinhos. Um, a essa pequena altura do championchip, já portador de notebook (com o qual eu o havia presenteado ano passado) e celular, que acabara de ganhar (não de mim). Provoquei-o: "Vais me ligar?" Ele: "Claro" - mexeu os dedinhos e...meu celular tocou. Ou seja, ele já havia armazenado meu número na engenhoca. Disse-lhe: mas o senhor está me saindo um verdadeiro homem de negócios! Ele riu e, como bom leonino, deve ter se achado o próprio. Fiz questão que ele tivesse seu own computer, não para entretê-lo com joguinhos. Mas sim para que, em paralelo à moda antiga, usasse-o como nós próprios houvéramos feito com as caudalosas enciclopédias analógicas de antanho. Para pesquisas e trabalhos no colégio. Ele que, com 5 anos, logo após eu me separar de sua mãe, ao lhe perguntar como andava na escola, veio com essa: "eu brinco, me divirto, mas ensinar que é bom, nada." Está bom para ti? E lá ia ele, degustando as comidinhas deliciosas e operando o aparelho com tal desenvoltura que constrangia o nível máximo de tecnologia que domino na coisa: mandar uns torpedilhos. Até que, em meio a observações sobre os itens do cardápio da casa , - que se diga, não muito "normal" para o gosto médio de uma criança -, mandou um "procedimento" no meio da frase. Por Camões, "procedimento"? Lembrei-me de quando ele tinha 3 e perguntou-me o que era "experiência". Valei-me, protetor dos dicionários! Foi quando minha comadre contou que a única palavra que a bebê fala inteira é....mamãe? vovó? Não, prezados: "táxi". Pano rapidíssimo.

Meditei: se um com 8, está de note e celular, o que essa pirralha vai ganhar de presente na idade dele??? Disquei (disquei?) imediatamente para Miriam Leitão, minha nova e arrebatadora paixão (sem cenas de ciúmes, Waldvogel, if you please!), buscando aconselhar-me através de sua visão macrossocioeconômica e prognóstica do universo. Disparou-me a gênia: "Visconde, anacrônico colega, sê romântico, como te aprouver. Mas, tanto quanto possível, moderniza-te, rapaz. Vence a condição de camarada contemporâneo das fundações da Sé de Braga. Ainda causa-te espécie a frequência modulada, os mistérios impenetráveis de um singelo interfone ou até mesmo a ação de um mero dimmer na sala de estar, meu bom homem. Tudo te espanta, tudo pões na conta de mágica, de enigma indecifrável. Qué te pasa? Apruma-te, prepara-te. E, sobretudo, forra esses bolsos, companheiro. Com o que esperas presentear teu anjinho aos 8? Meias três quartos? Pega-varetas? A bisneta da Barbie? Francamente, meu amigo. Pensa em chips subcutâneos que ensinem a tocar instrumentos, como sonha Cora. Em roupas autolimpantes e passantes. Em exposições permanentes de Van Gogh no MAM. Em emagrecer sem me perguntar como. Enquanto choras pitangas como um bezerro desmamado com Roberto numa poltrona - que maçante! -, o mundo roda lá fora, pai de Matusalém. Deixa para trás o tempo em que batucavas num 286 movido a lenha, tio-avô de Fred Flintstone. Mas, acima de tudo, pensa alto, bem alto. Dá a essa brasileirinha - e ao brasileirinho - um Parlamento limpo. Roga aos céus não ter que indefinidamente mostrar-lhes onde estão os valores, a moral e a ética, pois que até lá seus representantes no governo estarão esterilizados e a decência será algo que nunca deveria ter deixado de ser o que é: crucial. Peleja para que não precises convencê-los exaustivamente de que honestidade é obrigação, e não exceção e virtude a merecer aplausos e condecorações. E chega que preciso desligar, para fechar mais uma de minhas colunas que tanto te vêm impressionando, por simplesmente falar do óbvio. Estou, com elas, tentando ajudar-te a presentear futuramente os teus. E tu, cidadão, o que tens feito?"

Assim, desligamos. Eu, mais apaixonado ainda por ela. Sim, és toda razão, colunista: preciso levantar da poltrona confortável. Essa pequena magrela de Caratinga, que coisa...Como tu, Guilhermina, também eu sonho com avenidas povoadas de reações ao tenebroso espetáculo em que diariamente homens enlameados até o talo autoproclamam ética e espírito público com uma desfaçatez, um desassombro e um linguajar torpe que, espero, essas crianças nunca precisem conhecer. Essa corja, essa malta que de nada se envergonha, quanto lixo! Sonho em rachar a canalha, amadurecendo a campanha verde de Marina Silva. Não vai levar, posto que é uma sem-máquina. Mas partirá a candidatura oficial. Que a campanha sustentável torne a outra insustentável. Aí, é pau no segundo turno. Pelo bom futuro dos fedelhos. Os meus, os seus e os nossos. Retribuo com amor o teu beijo, conquanto me deixas um tanto nervoso. E que nossos cônjuges não nos leiam. Em nos lendo, relevem-nos a travessura. Em nos relevando a travessura, liberem-nos para mais. A propósito, agradeço o envio da foto de meu calçado tirada em alegre noite de festa ao vosso lado. Julguei que daria uma perfeita ilustração para esta minha verborragia contumaz, ou seja, nada a ver com coisa alguma.

Mientras, vamos a alguns refrigérios para a alma, belezas no combate a tanta feiúra:

- A linda canção "Amores Possíveis", com Paulinho Moska: http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umamusica&nomeplaylist=005508-6_02<@>Amores_Possíveis<@>Amores_Possíveis<@>Vários_Artistas<@>0220<@>Paulinho_Moska<@>UNIVERSAL<@>
- O vídeo do incrível contra-tenor e barítono alemão Klaus Nomi: http://www.youtube.com/watch?v=yuSrsGzhD9U
- O vídeo da bela "Pérolas aos poucos", de José Miguel Wisnik, na voz de Ná Ozzetti: http://www.youtube.com/watch?v=VhSo-FX-x5M&eurl=http%3A%2F%2Fletras%2Eterra%2Ecom%2Ebr%2Fna%2Dozzetti%2F286815%2F&feature=player_embedded
- O áudio de "Entreolhares", do novo CD de Ana Carolina: http://anacarolina.uol.com.br/
- O aúdio de "Prima do ciúme", do novo CD de Antonio Villeroy: http://www.antoniovilleroy.com/obra_aberta/disco_novo-prima_do_ciume.php
- O site do canadense Leonard Cohen: http://www.leonardcohen.com

domingo, 16 de agosto de 2009

para viscondes e amigos

Meu Visconde, meu amado;

Você e essa sua ironia fina e sutil capaz de fazer as mulheres suspirarem, ávidas pelos galanteios que lhe são tão próprios. Quanto a mim, vejo-te com o indecifrável sorriso no canto da boca a deixar-me dúvidas. E ainda sobre estas, também não estou certa se me aflijo mais com a incerteza que me ronda quanto as tuas lisonjeiras palavras ou quanto a mim mesma. De todo modo, não me parece correto atribuir-me essa capacidade de acalmar as almas transtornadas, mesmo aquelas que se manifestam em resmungos. Além do mais, justo você, meu caro, como poucos, é testemunha de que não sou de paz. Ah, não! Muito antes pelo contrário, são as tormentas que me fascinam, são as revoluções.

As que aconteciam nas avenidas estudantis dos idos 68, cheias de sonhos, de ideais, de censuras a provocar a criatividade e a beleza das metáforas... Ah, como queria mais disto. Mas, não é só com saudade que visito estas cenas. A saudade faz tudo morar no passado e o sentimento que me assola traz a urgência a reboque, quero fazer presente a intensidade no que vivo hoje, tenho necessidade de matar a fome de verdade emocional.

Não sei em qual momento eu deveria trocar o verbo amadurecer pelo envelhecer. Não sei sequer se já passei da hora e fico por aí a mercê da galhofa alheia. Mas sei, isso sim, que a gratuidade de tudo que a vida tem, típica fantasia da juventude, já se foi. O sucesso, a riqueza, o bem-estar, a saúde, a beleza da forma, a alegria, o crédito, o reconhecimento, a realização e o que mais você quiser supor na vida é consequência de trabalho, insistência, teimosia mesmo. E alguma sorte... que como diz meu cunhado, os craques tem que ter sorte.

Desta feita, não me desespero mais na tentativa em vão de encontrar quem me faça feliz. Quero quem me faça companhia na felicidade que eu possa encontrar por mim e, já que é inevitável, também nos tempos, às vezes longos, de frustração e dor.

Aliás, dor é uma palavra que as pessoas têm horror, mesmo sabendo que não há economia que nos previna, e não há prevenção que nos proteja dela. Há de vir como a estiagem e a chuva sempre chegam. Nossa questão passa a ser o desenvolvimento de recursos, então. E não há recurso maior que o encontro amoroso. Intenso e verdadeiro, mas também cálido e apaziguador. Gratuito? Jamais. Antes, é preciso que seja caro, dispendioso de tempo, de energia, de investimento. Nada ao acaso, quase tudo conquista. É preciso que se tenha consciência do amor. E absolutamente necessário que se tenha medo de perdê-lo (mesmo sabendo antecipadamente que isto é inevitável). Mais imprescindível ainda, no entanto, é o medo de abandonar-se. Não é o outro que nos impede, que nos aprisiona, que nos torna dependentes. Somos nós que o fazemos por nossa própria incompetência. O outro, ou o amor, nos serve apenas como pretexto. Um mau pretexto. Um mau uso.

Sobre a liberdade, aquela para qual nunca é uma palavra que não existe, tomemo-la pela mão. Não há amarra mais singela posto que desprovida de força.

Meu amigo, as revoluções acontecem também no silêncio. Há na insatisfação uma força motriz de transformação: Um dedo apontado para a necessidade de fazer de outro modo, de rever o estabelecido, de sair da repetição do que nos leva ao mesmo destino.

É por aí que tenho andado, entre revoluções, reviravoltas e silêncios... Um tanto longos, é verdade, mas necessários, posto que neles me escuto com eco, e sem interferências.

Só mais uma coisa: saudade é testemunho, de que vida(!) houve. Quero guardá-la toda, como coisa minha, daquelas que não abro mão.

Beijo-lhe, desta vez na boca, por exigir de novo a minha voz. Para dizer-te, disse-me antes. Muito obrigada.
Guilhermina

terça-feira, 4 de agosto de 2009

como é grande o meu amor por você - por Visconde de Albuquerque

Rainha, minha incandescente amiga,

Teu telefonema hoje encheu-me de quentura e reviravoltas mentais. Coloquei uma plaquinha de volto logo na quitanda e fui caminhar na praia. Ato contínuo, vi-me a tecer conversações contigo, sempre animado e ávido a escutar-te, com invariavelmente tanta luz. Apaixona-me, por impressionante, teu universo em que nada é gratuito, bóia na superfície, patina a esmo. Chegas a mim como um invencível estopim a explodir memórias, sentidos, raciocínios. És uma brasa, mora! Desculpe-me a expressão popular, querida, mas é que escrevo, por mais que incrível pareça, ainda sob o impacto violentíssimo que foi o show de Roberto. Duda, a meu lado, entre incrédula, assustada e compadecida, olhava-me de esguelha, como a buscar entender o que se passava no imo de seu parceiro àquela noite. Pois que eu, copiosamente, chorava. A ponto de, diante de tantas emoções, passar-te um torpedo, amiga, procurando dividir contigo momentos de tão forte supressão da consciência, em que tudo era transbordamento.

Quando Erasmo começou a cantar, o Rei chorou. Erasmo chorou. Fiz o que? O que era mister: acompanhei a ambos. Éramos Erasmo. O jantar que Duda tão amavelmente trouxera, tal e qual o café da manhã do cantor de Cachoeiro, esfriava na mesa. Como interromper aquele desfilar de redemoinhos sensitivos? Não queria que o assado se transmutasse em caldo fumegante inundado pelas lágrimas em abundância.

Roberto, o Rei de tantos, do Brasil. E meu também. Dirás: mas e Buarque, seu nobre de meia tigela, aristocrata decadente, comprador barato de títulos e brasões forjados em falsificações rudimentares? Onde a fidalguia numa criatura que deita prantos à audição dos primeiros acordes de "Você" (com esta, na voz de Bethânia, já fizera poças no Canecão dois anos antes). Que vai dormir (consciente) embalado pelos noturnos de Chopin, mas que sonha mesmo (subconsciente) é com as boas e velhas canções do cavaleiro da Urca? À maneira de Dani, perdoa, querida, esse nobre vagabundo.

Mas, cáspite, do cordial filho de Sergio, o que falar? Acontece que as emoções de Francisco têm sempre porta-vozes, personagens, escudos. Mesmo Caetano e Gil se expõem, muito, em relação as suas vidas pessoais. Mas Roberto, esse é todo exposição. Tudo acontece na primeira pessoa. É ele, sempre, a falar dele. Do drama do acidente, do drama do filho, das relações com a mãe, o pai, com o melhor amigo. Da mulher que mais amou. Suas relações religiosas. Que artista, de primeira linha, se coloca como ele? Irmãos, é preciso coragem. Não há aquela máxima de que quem quer falar ao mundo que fale de seu quintal?

E Roberto tem sido incansável na abordagem de seu próprio pátio, sobretudo seus jardins de inverno e, mais sobretudo ainda, seus sítios de amores passionais. Muito me fascina esse campo das relações a dois. Quando eu era jovem e tolo (e isso se perde na noite dos tempos, embora a segunda característica continue valendo), não conseguia ver graça nas coisas do mundo na ausência de uma interlocutora amorosa. A visão de um entardecer, uma viagem, uma comida diferente, um resultado importante no trabalho, tudo isso se enfraquecia em valor se não merecesse a chancela de uma alma enamorada. Era eu quase que um terceiro autor de Inútil Paisagem (Tom Jobim & Aloysio de Oliveira). Ah, o bendito passar das horas, que não há só de encher-nos de rugas e cabelos brancos. Ao modo de um antijornalista, que nem sequer sabe o seu próprio lead, ignoro como, quando, onde ou porque essa percepção modificou-se. Mudei eu. Roberto, não. Porque só muda quem precisa mudar.

Hoje, obstino-me, com todas os meus dínamos, a explorar meus jardins de inverno, outono, primavera, verão. Dedico-me a promover excursões permanentes ao meu meio rural, zonas interiores, ambientes inóspitos, regiões desérticas, fronteiras glaciais, paisagens camufladas. E quão trabalhosas são essas expedições! Que labor o exercício da própria construção. Quanta solidão e tijolos nessa procura. Quisera ser compositor, para refazer em canções lindas as pegadas antigas e frescas de tantas viagens. E, rainha - não sei bem porque (muitos risos) -, é esta uma agenda que tanto me transpõe a ti. Eu tenho tanto pra lhe falar, e é com as palavras do Rei que sei dizer: Como é grande o meu amor por você! Por me inspirar, me motivar nessa busca, que é o que realmente interessa nessa vida. Sem você, meu mundo é diferente. Estou tão feliz!

Quanto a "Você", está em
http://www.youtube.com/watch?v=4PE1FWg3gJY

Abraço-te, com tanta saudade.
Teu,
Albuquerque.

terça-feira, 28 de julho de 2009

já era hora – por João Lira


Finalmente venho aqui contar-lhes coisas boas, sem reclamar!

Até domingo estava de férias na casa de meus avós, uma das poucas férias com meu pai já que ele esteve sempre trabalhando e suas férias eram de uma semana, uma vez por ano. Agora ficou diferente, ao voltarmos da Venezuela, país que moramos por causa do trabalho do meu pai, ele ficou desempregado e por enquanto trabalha por conta própria.


Está sendo muito difícil pois o salário dele não é garantido no fim do mês, porém de outra perspectiva, vemos que ganhamos muito em questão de valores, princípios e atitudes. Aprendemos o verdadeiro valor do dinheiro e do sacrifício para consegui-lo, aprendemos a consumir conscientemente, descobrimos realmente o que é necessário ou supérfluo, passamos a viver com menos da metade do que precisávamos antes. Penamos no começo, mas aprendemos a ser felizes.


Não é só porque conseguimos a felicidade (ela estando dentro de cada um basta encontrá-la) que paramos no tempo, pelo contrário, como dito antes ganhamos muito e agora usamos isso para nosso cotidiano. Descobrimos um novo mundo e por incrível que pareça, não foi o dinheiro que proporcionou isso para nós, foi a falta dele.


Minha família está muito unida agora. Essa falência nos juntou numa casa menor, televisão menor, panela menor, mas criamos um amor maior. Embora unidos não perdemos a noção de quanto vale um Real, sabemos que ainda precisamos de dinheiro para supermercado e outras coisas, ainda mais com uma família grande assim: pai, mãe e quatro filhos.


E felizmente isso vai mudar. Não quer dizer que voltaremos a torrar dinheiro e comprar qualquer coisa que virmos pela frente, mas sim que meu pai voltará a ter um emprego, nós continuaremos felizes e dessa vez economizando.


Um beijo do João

sábado, 18 de julho de 2009

libertas que será também - por Visconde de Albuquerque

Rainha, meu grande bem,

Por que cargas d´água houveste tu de mencionar bebericações e elucubrações nossas em fins de tarde? Pois a decisão está tomada em caráter irreversível. Mudo-me em breve para qualquer outro CEP não iniciado por 2 (a dúvida recai ainda entre Patos de Minas e Varre-e-Sai). Só assim, restar-me-ão esperanças de sentar-me diante de ti novamente. De meu observatório, bem te vejo a borboletear por aí com as garotas desta esquina, habitantes de municípios outros. Guilhermina, Guilhermina...por ventura desconheces que ciúme de homem é coisa infinitamente mais séria que o mesmíssimo sentimento na mulher? Se sabes, finges ignorar, perdendo levianamente a noção do perigo. Um homem ciumento não responde por seus atos.

Martha Medeiros registra que o conjunto formado por duas amigas, uma tarde livre e litros de vinho branco é o paraíso. Constituiria muita petulância de minha parte afirmar que dois amigos, uma tarde livre e litros do que quer que seja possam igualmente sê-lo?

No tempo em que nos encontrávamos amiúde, aquele ente atormentado e claudicante que sou foi cedendo, pouco a pouco, a um projeto de cavalheiro mais ajustado, com algum conceito de juízo. Quase um ser humano normal, apto a viver em sociedade. Mas, qual! A distância que teima em afastar nosotros já se faz sentir em toda a sua carga dramática. Com celeridade, retorno à deplorável esfera habitual de rabugices e resmungos. Bufo pelos cantos em lapsos de impaciência, rosno para equivocadas idéias de entretenimento, inquietam-me as conversas. Grupo de mais de 2 aflige-me. E, confesso-te, exaurem-me as próprias idiossincrasias.

Observo os casais a minha volta e entedio-me. Nunca noto uma correlação de forças, as individualidades em sua inteireza, com seus interesses pessoais, tratando de polir seus universos interiores, lapidar suas buscas e investigações. Rendo-me, por incontestável, à idéia de que sou francamente um tipo anômalo, em que pese não ser um celibatário. Mas, preciso ficar só, caminhar na praia só. Preciso ler, escrever. Preciso de silêncios. Ao ler Mutações, de Liv Ullmann, em era mesozóica, meu cérebro iluminou-se. Dizia a estupenda atriz que Bergman, com quem estava então casada, era capaz de passar dias e dias enfurnado em seu estúdio sem aparecer, digamos, na casa em si (claro, moravam em castelo norueguês, se não me falha). Ou seja, para ela. Não lembro agora se o tom era de reclamação ou de simples constatação.

Na hora, pensei: êi, este sou eu! Mas como? Ele, um senhor nórdico, escandinavo, cineasta consagrado. Eu, um jovenzinho latino, brasileiro, estudante. Onde tal identificação? O fato é que ambos formaram uma dupla arrepiante no mundo das telas. Aquele ser, aquele diretor, que tanto precisava de isolamento e introspecção, inscreveu com a própria mulher uma das mais belas páginas no cinema mundial, em filmes impregnados da mais pura humanidade, sensibilidade, delicadeza, em sua espiral profunda, torta e universal. Que casal, hein?

Por analogia, vem-me de imediato a palavra "companheirismo". O que é mais legal em tua relação com fulano (a)? Ninguém titubeia: Ah, o "companheirismo". Esse conceito tão lindo dentro da aventura humana é de tal ordem desbaratado que se aplica a qualquer situação. Companheirismo, na débil - e muito provavelmente equivocada - definição albuquerquiana, nada mais é do que o que se faz movido pelo coração. Nunca pela obrigação, tão somente pelo comodismo de querer livrar-se de um aborrecimento. Tão delicada a linha que separa a entrega da dependência.

Quem de vocês conhece um casal realmente bacana, investido na realização de suas trajetórias individuais, pessoais e profissionais, em que o sentido do acasalamento seja única e fundamentalmente o querer ficar junto? Em que um não seja o tirano, o algoz do outro? O usurpador de suas energias? O desestruturador de seus desejos mais profundos? O desorganizador de sua beleza íntima? A bengala? O pijama? O chinelo? Vejo parentes, irmãos, mães e filhos, qualquer coisa, menos casais, numa espécie de desbalanceamento que dói.

Conheceis, por acaso, um casal que diga: o que nos prende é a nossa liberdade? ("E no que diz respeito à liberdade, nunca é uma palavra que não existe"). Pois façam-me a fineza de indicar os nomes de seus integrantes. Faz-se mister entrevistá-los. Entrarão na pauta que preparo sobre o mico leão dourado.

Céus, quanta radicalidade e intolerância no que escrevo. Oh, amada, Guilhermina, avisei-te sobre as sequelas de tua ausência em meus dias. É nisso que dá. E como é lindo teu texto. Recorto: "Isso acontece de tal forma que é necessário que façamos a travessia do medo". Hum...Tem vinho branco aí?

Te abraço com tanto calor, querida.

PS 1 - Duda, renovas-me, meu grande amor sincero.
PS 2 - Só mesmo ouvindo "Autonomia", de Cartola.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

nuvens e beija-flores – por Nine

Pensamentos como nuvens correndo no céu, mudando de forma e lugar, me ocupam a mente. Vão da tristeza e solidão do vampiro do klaus Kinski em Nosferatu, que um comentário do Marcelo Coelho no blog dele me fez lembrar, até a: tenho horror desses calores e frios que se alternam, graças a menopower. Logo em seguida, como cabritos, pulam para uma imagem do livro "A última colheita", de John Grisham, o neto e avo na velha pickup na nacional 135. E esse passeio mental me leva a: quando será que estarei num carro, com um homem, numa estrada, escutando música, olhando a paisagem e, às vezes, conversando e ou cantando juntos, como fazia com o meu ex? Será que farei isso ainda alguma vez? Gostava tanto de pegar estradas dentro e fora do Brasil com ele... Sinto falta da intimidade que nos tínhamos e que não sei se terei de novo com outro...

Ai lá vai a lebre do meu pensamento para minha prima querida e preferida, que está com colesterol alto, gastrite, stress causado por vários motivos, mas principalmente por um chefe sádico e o ocaso de um casamento de mais de 25 anos que ela quer terminar sem brigas, sem stress... ela também acredita no poder dos cristais, mas eu a amo mesmo assim! Olho distraída para meus lençóis, escrevendo na cama, e lembro da filha do meio me perguntando ontem onde comprar lençóis de algodão bons, bonitos e baratos, penso no post do blog "ela fala e sai andando" onde a Elisa de lá, conta que a mãe dela pensa que ela é o Google. Aqui em casa é o contrario, meus filhos é que pensam que eu sou...

Mãe, onde compro lençóis assim assado?
Vai na 25.
Como tiro mancha de vinho tinto?
Derrame vinho branco em cima, desaparece na hora!
Como reavivo couro em sapatos e bolsas?
Passe casca de banana, deixe secar bem e escove, ficam como novos!
Mármore sem vida?
Limão com bastante sal, enxaguar em seguida!

Sou uma fonte de sabedoria doméstica e vida prática para eles, queria ter uma fonte de sabedoria emocional... E lá vamos nós, me, myself and I, na minha mente jaguar preto pensando em como meu amigo L., que eu encontrei ontem numa cafeteria, se deixou envolver pela filhagrávidamaridofilhopequeno, que voltou dos EUA direto para casa dele, perturbando a vida dele e sem data de saída, quando eles tem um apt em SP que agora está pequeno para a família dela? E o L. com isso? Me contou que não sabe o que fazer, que esta estressado com choro de criança pequena, com coisas espalhadas pela casa, televisão ligada o dia inteiro nos coelhinhos tolinhos, Bob Esponja e o insuportável dinossauro roxo! Diga NÃO L.! Entra esse outro pensamento intrometido e arrogante, não percebendo que muitas pessoas tem dificuldade de dizer NAO! é só abrir a boca e articular N-Ã-O! Mas não é assim para todo mundo, sua insensível! Lembro da minha amiga R. que diz para amigos e amigas que os amam, que os adoram, mas não diz para os amores. O amor diz: Neném estou com saudades! E ela: é Neném? Não sei como o "neném" não sapateia e se joga no chão! Falo facilmente eu te amo, estou com saudades, me desculpe, me perdoe. Mas estou só, ela não! Será que eu não tenho uma comporta que deveria ter? Sou esquisita, estranha em não conter meus pensamentos, meus sentimentos? Dentro da minha cabeça deveria existir um nano-censor? Ele ficaria sentadinho atrás de uma nano-mesinha de camisa estilo mórmon, de gravata preta, com óculos de aros pretos cerceando tudo... Coitadinho, ia ter um trabalhão!! Ah, queria saber desenhar o nano-censor chamado Orestes que viveria dentro da minha cabeça que só comeria enlatados e miojo, uma vida tão monótona de chorar! Toda vida de censor deve ser de chorar...

Pego o superelevador que tem na minha cabeça e vou até o andar: Bispo do Rosário. Ele escutava vozes que o mandavam fazer as artes dele. Bordados lindíssimos, certas roupas e estandartes bordados por ele parecem medievais. Ele parecia ter fixações por nomes. Esquizofrênicos falam com Deus, Jesus, marcam encontro com divindades e demônios na sala ao lado. O Sr Bispo, como ele gostava de ser chamado, nos tempos mais heavy metal da Juliano Moreira, pedia aos enfermeiros para o trancafiarem que ele ia "se transformar”. Era quando as vozes iam chegar... Mau passant também previu a própria loucura. Numa carta a um amigo ele escreveu contando que iria se casar, não porque estivesse apaixonado, mas para não ficar só. Estava percebendo a loucura chegar e achou que assim a exorcizaria. Ledo engano, a loucura chegou antes do casamento. Solidão apavora, como diz uma outra canção. O Sr. Bispo do Rosário disse que os loucos são como os beija flores, batem asas mas não saem do lugar e vivem a 20 metros do chão... Meus pensamentos deram uma freada brusca, ai comecei a chorar...

bjs Minha Rainha!
Nine de Azevedo

segunda-feira, 13 de julho de 2009

o amor quando acontece

Meu Visconde, meu amigo,

Quanto tempo! Que saudade!

O espaço que minha memória guarda para aqueles dias em que bebericávamos à tardinha enquanto massageávamos nossos egos magoados, ou ainda, acariciávamos os corpos feridos e a almas ainda ardendo, sem destino nem direção... Naquele espaço ergui uma estátua, uma homenagem póstuma aos que ocuparam nossas vidas mais, e talvez melhor, do que nós mesmos...

Não és o primeiro a me dizer que há um valor para a vida que só conhece quem amou com toda a entrega, com sofreguidão, com desespero, ainda que disfarçado, que contido por rédeas de bom senso e de boa educação. Não discuto isso. Fazê-lo seria tão somente um exercício de hipocrisia e, você sabe, meia verdade é uma mentira inteira. Não. Definitivamente, não tenho o que argumentar sobre essa coisa toda. Nem prescindir. Nem, ainda, que lamentar seu fim. Hoje, depois da passagem de tantos dias, de dores outras, e de vazios imensos, já posso ver que há lição na perda. (E que perda!) Assim, portanto, deve ser lição das grandes, das mais importantes, daquelas que não se pode passar sem, sob pena de estacionar a vida num meio-fio e ali esquecê-la como um indigente.

Vira e mexe, releio minhas cicatrizes e traduzo mais uma sílaba de seus hieróglifos. Algumas respostas devem ainda dormir lá como numa câmara mortuária se guardavam os pertences mais queridos que foram animados por aquele que ali jaz. Sim, é quase uma reverência, você deve estar pensando... Mórbido? Meu querido, nefasto seria deixar a vida esvair-se por ali, deitando-a no parapeito pra ver a banda passar.

Mas tudo isso são favas contadas. O que ressoa de sua última presença e palavras por esses lados é a idéia de que tais encontros, dotados desta intensidade amorosa, não se repetem. Francamente meu amigo! Não me venha com tal golpe de capoeira. Até parece aquela história de que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar! Crendice, meu caro, crendice. Estou cada vez mais convencida de que tal possibilidade amorosa, uma vez conhecida, nunca mais se faz por menos. Sua passagem ensina um estado de existência, uma forma de conexão no mundo, com o mundo. Isso acontece de tal forma que é necessário que façamos a travessia do medo.

Busca incessante. Eis um estado que se inaugura. Haverá como percorrê-lo sem medo? Não creio possível. E no reconhecimento de cada encontro, é de novo o medo quem comparece, desta vez pela consciência da perda inevitável. Mas não é isso mesmo: há como visitar a antecipação das pequenas mortes sem temor? Essa não é nossa condição humana, imposta pela finitude?

Será, meu querido, que a grande lição, esta tão difícil, está em aprender uma torção do olhar? Onde sempre nos pareceu que era o objeto do nosso amor o que dava sentido a tudo, a verdade que se escondia atrás dele era o próprio amor como modo de permanência? Amor que só pode ser pleno por ter sua Causa dirigida sempre ao outro e não às mesquinharias das nossas vontades, dos nossos domínios, dos nossos poderes?

Caminho nesta investigação. Às vezes, pareço avançar léguas e, no entanto, no dia seguinte, acordo aspirada pelo mesmo redemoinho, ansiando um corpo querido como se nele habitasse o segredo todo, a resposta inteira. Acaricia-me então o fato de que são necessárias poucas horas para que experimente o esvaecer desta urgência, deste me perder por recôncavos que não levam longe. Então apanho de volta meu amor e faço dele o meu altar, lugar da minha súplica, da minha devoção e da minha possibilidade.

Se lamento alguma coisa? Sim, o tempo em que deixei o amor em abandono, na cela dos condenados à prisão perpétua, como se fosse ele o algoz. Que tolice, quanta bobagem! Que desperdício o meu. Salve o ditado popular: antes tarde do que nunca. E no que diz respeito à liberdade, nunca é uma palavra que não existe.

Foi muito bom te ver. Até o próximo brinde,
Guilhermina

sábado, 4 de julho de 2009

talvez no tempo da delicadeza - por Visconde de Albuquerque

Venerável Rainha, minha amada,

Devo-lhe há muito umas linhas (em meu caso, sempre às milhares) sobre antiga postagem tua. Apud a casa em ruínas de nossa Nine, ocorreu-me tocar nesse que é um tema excessivamente abrasivo. Também eu amei loucamente, ao meu jeito. Punk, junk, quiçá. Gravitava em torno daquele turbilhão, tomando-o como a uma droga que, indômita, cancelava os mecanismos da razão. Não é possível alguém viver sob o mesmo teto que uma pessoa, dormir com ela todas as noites e, ainda assim, passar os dias atormentado com a sua falta, contando os minutos para vê-la. As horas não passavam, por não lograr eu ocupá-las com as prerrogativas da inteligência, anuladas sem dó nem piedade por um combustível que queimava, ardia, na fornalha em funcionamento non stop.

Quase não me reconheço agora, algum tempo depois, nessas descrições que mais parecem saídas de uma outra criatura, em cenário medieval. A não haver passado por tudo isso, e lendo este relato, o interpretaria, das duas, uma: ou falaríamos de alguém pertencente a outro século - à guisa do flagelo de Romeu e Julieta em Verona - ou a clamar cuidados especiais na esfera da psi. Ponto para esta última hipótese. Coisa, parece-me, de quem recobrou a consciência. Ou não. Ou nunca.

O fato é que a prosseguir a navegação naquela batida de procela, em ímpares condições de turbulência, os barcos não tardariam a espatifar-se contra as rochas, tal o descontrole da bússola. A excessiva tensão aplicada às cordas de nosso instrumento outro destino não poderia ter senão arrebentá-las. Explodi-las. Enxergava eu com limpidez a ação do implacável ácido desgastando precocemente a estrutura que intentávamos levantar. Mas o que era do miserável eixo real contra a fúria do epicentro do querer? Logo, este teu amigo, como não pensava, não existia. Ela me abraçava e tempo e espaço ficavam em suspensão. A trilha sonora que mais expressava tamanho terremoto vinha, para variar, de Francisco: "Quis saber o que é o desejo, de onde ele vem, fui até o centro da terra, e é mais além".

A paixão tem, por princípio, ser fugaz. Ela roga por finitude, pois, do contrário, o ser esgota-se, consome-se. Mas aquilo que não passava continuou a não passar enquanto estivemos casados e, durante um bom tempo depois, seguiu em sua imperturbável formatação de permanência. Ninguém suporta indefinidamente o governo autocrático de um estado de exceção. Não é da natureza humana. E a união se desfez. Dessa parte, é dispensável ocupar-me: conheces de cor e salteado os desdobramentos, pois foste luz para mim quando tudo era sombra - como esquecer? Os dias no escuro, as noites em claro, em arrastamento perturbador. Tudo se resumia à reunião de forças mínimas capazes de manter em funcionamento a máquina de escrever e de emitir sons. A garantir a sobrevivência. Por várias vezes, ela me procurou e só eu sei - ou melhor - nem eu sei de onde saía a voz para lhe dizer não. É que o processo de cura precisava ser iniciado a qual preço fosse. Impunha-se o freio de arrumação.

Mais tarde, as bençãos do tempo, tempo, tempo, tempo - sempre ele - proporcionaram a acomodação do terreno pós-dilúvio. E foi possível até ensaiar uma improvável volta. Exemplo os há de relacionamentos que findaram e foram retomados mais na frente. Acredito eu que em amores de intensidade mediana - o que quer que isso signifique -, seja ocorrência possível (conquanto achar que ninguém encerra um relacionamento que é bacana). Nós, todavia, fomos tudo, menos um meio termo, um mormaço, um deixa estar, um vir a ser. Para o bem e para o mal. O amor até pode levar, circunstancialmente, desaforo para casa. Mas nem sempre habita uma mansão. E que o universo nos proteja de seus bolorentos e inóspitos subsolos.

O massacrante trator da memória derrotou tal possibilidade de rearranjo. Seu rolo compressor esmagou o frágil broto que teimava em vingar. Seus gritos ensurdeceram a caixa craniana. Suas lágrimas afogaram a centrífuga do desejo. A escuridão apagou o brilho daquele diamante. Um cristal estilhaçado não volta a sua original - e exuberante - condição de peça inteiriça. As infinitesimais partículas espalhadas por todos os cantos não deixam.

Jamais saberei a porção adicional que deixei de ganhar. Mas o que ficou não é pouco, antes ao contrário: ela me deu tudo. Sei o que é uma entrega genuína e absoluta entre duas pessoas. Poucos podem dizer isso. Pois, assim, é com toda a gratidão à vida que declaro esse imensurável patrimônio, esse bem que nenhuma Receita Federal há de sequestrar. Como diz a grande filósofa Ana Carolina - que, a teu lado, amiga, foi uma íntima companhia na região insondável e insone por onde andei -, "há tantos que vivem sem viver um grande amor". É tesouro inalienável. Legado que não se corrompe. Não conheci encontro maior.

Disso tudo, o melhor é o viver, derrubando incansável nossas maiores certezas. E que nos obriga, permanentemente, à vigilância, à revisão, à renovação constante do que tínhamos como líquido e certo. Olhando para trás, nem há com o que me arrepender, posto que praticamente se dava como que uma privação de sentidos, uma fuga ou, quem sabe, um congestionamento, um tumulto deles, vai saber. Há um buraco, sim, por não ter dado à mulher que eu mais amei um certo tipo de realidade que ela tanto pediu. Ansiávamos de tal forma coisas um do outro que simplesmente não podíamos cumprir. Ou, pelo menos, não naquele momento.

Lembremos que paixão vem de pathos. Até hoje, me pergunto se amei loucamente, o que era amor e o que era loucura. Fomos extraordinariamente felizes. E infelizes na mesma proporção. Era o amor mais lindo do mundo. Mas acabou de forma feia, na vala comum dos amores, como se fora o mais banal deles. Às vezes, os extravios são necessários, sim. O que salva é que se trata de fenômeno irrepetível (amor que não se pede, amor que não se mede, não se repete). Portanto, um belo de um alívio. A vida, esta sábia. Era amor sólido demais para que não se desmanchasse no ar.

Sempre teu,
Albuquerque.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

missivas

Queridos desta esquina,

Já vem de longe minha secreta paixão por cartas. Confesso mais: vem de provocações edípicas. Guardo até hoje as cartas, os bilhetes, os cartões que meu pai, tão ocupado, me deixava, nem sempre por algum motivo ou data especial. Foi assim que aprendi que cartas são fotografias verbais, capazes de fazer uma aproximação possível na distância, uma intimidade acariciada pela palavra, um tempo de dizer e um tempo de ouvir. Um registro, um pedido, uma espera de resposta, uma ansiedade, uma chegada sem corpo, mas plena de intenção – palavra que se repete, que reverbera, que diz de novo, mais uma, e quantas vezes a buscarmos ou pudermos dissecá-la por outro ângulo, por outra interpretação.

Foi sem perceber que assumi, eu também, esse jeito de dizer de mim, de tocar o outro com uma palavra que datada, eterniza-se no papel. Essa é a grande diferença entre a palavra falada e a palavra escrita: o compromisso que esta última exige ao fazer-se registro, prova, manifesto e documento. A palavra escrita tem assinatura. Destino, remetente e endereçamento. Ela é história, testemunho e testemunha.

Foi assim que um dia, lá se vão vinte anos, arrumando uma armário, cena prosaica, coisa banal, encontrei a caixa. Eu sabia exatamente o que ela guardava: todas as cartas que eu mesma escrevera ao meu marido, o pai das minhas filhas. Ele as lia e deixava-as sobre a primeira superfície que encontrasse pela casa. Era eu quem as recolhia e guardava.

Naquele dia, sentei-me no chão com a caixa entre as pernas. Organizei os papéis em ordem cronológica e comecei a relê-los. E aquelas palavras, antes endereçadas a ele, fizeram de mim meu interlocutor. Naquela tarde, meu lamento, minha queixa, meu pedido pelo seu olhar que não vinha, minha indignação, minha solidão, minha tristeza me voltaram como pergunta, questionamento, inquisição. Eram quase dez anos de uma fala que se repetia, mudando de circunstância, de data, mas sempre em reedição. Estava lá, diante dos meus olhos, a insatisfação que eu não vi. O impossível do encontro que adiei admitir. Eu estava lá em espera, em ameaça de partir. Eu estava lá, coagulando no tempo. Naquele dia fui embora, rumei ao meu melhor destino, aquele que escolhi.

Esta esquina virtual nos aproxima também por esta via. Conosco senta à mesa aquilo que temos a dizer. É nossa palavra e somente ela o que nos representa para o outro. Na blogosfera, somos o que atuamos, o que fingimos, o que dizemos ser.

Entretanto, acontece coisa curiosa... ao mesmo tempo em que muitos de nós entram e saem (dos blogs, dos sites, dos bares) sem deixar rastro ou palavra (o contador da página nos diz isso); nossa natureza humana, gregária, sensória... nossa tendência às identificações e à curiosidade, talvez, nos instiga a buscar contornos físicos, a investigar “verdades”, ao encontro do olho no olho, a tornar real o virtual. E, mesmo em tempos apressados, em distâncias medidas em quilômetros, em impedimentos e resistências, tenho conhecido pessoas e encurtado essas distâncias e estranhamentos.

Outro dia isso aconteceu com Cecilia (do blog Lua em Libra). E numa tarde em que o tempo foi pouco, tamanha a vontade de ficar mais, restou-nos a volta à blogosfera, agora num espaço com jeito de meio do caminho, de ponto de encontro, de quarto de confidências, de caixa postal com gosto de aproximação possível.

Já indo embora, subindo as escadas que a embarcariam de volta para Porto Alegre, onde mora, Cecilia ainda me perguntou: ...será então um blog de missivas?

— Sim, Cecilia, missivas do porto e do rio.

Estão lá nossas cartas abertas, um pouco mais que compartilhamos, e o post-scriptum, espaço coletivo, que não termina nunca, a espera de vocês. Até breve, até o meio de nossos caminhos,

Um beijo,
Guilhermina