quarta-feira, 2 de setembro de 2009

se a gente se transforma no encontro

Meu amado amigo,

Quantas conjecturas sobre o futuro que já se adianta para o agora... diga-me uma coisa, para onde foi a infância? E pensar que eu gastava horas me perguntando o que haveria de existir no “tempo das minhas filhas” que me seria impossível de absorver... É curiosa essa expressão que determina os donos de cada tempo, não? Por estes dias, conversando com a minha mais velha, dona agora dos seus 22 anos, chamando a si mesma de adolescente (para meu colapso iminente!, é claro) sem nenhum constrangimento, mesmo diante do fato de que, justamente na minha passagem pela atual idade que visita agora, ela nascia. Querido, como é fresca na memória aquela sensação: a vida nos meus braços e o sentimento de que pela primeira vez eu fazia algo sem retorno, sem possibilidade de arrependimento, sem perhaps nem porém.

Pois, conversando com ela, escutei seu relato sobre as maravilhas dos anos 80, sobre certa paixão retrô que ela e as amigas nutrem pelo período, numa pretensa atitude cult, e da indignação que sentem quando as pessoas denominam como a “década do vazio” tal período da história da nossa humanidade. Enquanto a escutava, ia me lembrando da atração que a década de 60 exerce sobre mim. Será, meu caro, que ganhando a tecnologia, acabamos por precisar visitar o passado no qual nos forjamos para saber quem somos? Se isso faz algum sentido, vale guardar a capa do caderno Prosa e Verso do sábado, 22 de agosto – Um nome para este tempo. Talvez você possa presentear seus pimpolhos daqui a alguns anos, ajudando-os a conhecerem a si mesmos.

A esta altura, você deve estar pensando que esta sua amiga é mesmo do contra. Pois reafirmo: só o medo da perda (e repare, o medo, não o pânico) nos faz cauteloso com o que nos é precioso. Acho curioso o estigma que certos sentimentos ganham, como se carregassem contornos patológicos e só existissem nesse estado. Não conheço sentimento desnecessário. Nenhum. Cada um cumpre sua função e dela é Mestre. O desafio é sua dissecação de sentido até que possamos escutá-los. Só assim ouvimos a nós mesmos com a verdade inteira que podemos existir, plena de idiossincrasias, fragilidades e possibilidades.

E não é que continuo mais calada que falante? Ando pensando um bocado sobre o sentido da existência, pelo qual a vida não seja somente um cumprimento dos dias em intermináveis pagamentos de contas e acertos de dívidas. Faz pouco tempo situei esse sentido na diferença que fazemos no contato com o outro. Esse exercício mágico de transformar e sermos transformados no encontro.

Recentemente, enquanto eu pedia por um bom porquê para seguir escrevendo devaneios e dissidências por estas bandas, ocorreu-me fato instigante. Através do e-mail do outro blog – missivas do porto e do rio – no qual me correspondo com Cecília, recebi um bilhete de Mercedes, pessoa querida da minha vida, a quem não via há mais ou menos 15 anos. Não preciso dizer que emoção é palavra pouca para expressar o que experimentei nesse abraço, virtual só por enquanto, e por pouco tempo.

Em meio às notícias de lá e de cá, ela me conta que terminou uma pesquisa sobre a importância do afeto na apreensão do conhecimento. Pesquisa sistematizada por seu trânsito em Secretarias de Educação pelo interior do estado. Pesquisa que dedicou a mim, por segundo ela, tê-la provocado a pensar no assunto. Eu?


Pois bem, se fiz isso, quem era o eu capaz de fazê-lo? Onde guardei a contundência do discurso, da energia, da capacidade de contaminar o outro a privilegiar afetos? Eu mesma vivo me perdendo dos meus, vivo encaixotando-os como se fossem aqueles percevejos que, ao toque, exalam odor desagradável... vivo esculpindo máscaras e argumentos que convençam a mim e aos outros de que os afetos a solta ou te deixam vulnerável ou te tornam piegas e ultrapassados. Vivo guardando minha surpresa para conseguir conviver na hostilidade dos espertos, tão experts em dribles, em aritmética, em inteligências... Encontrar Mercedes foi como reencontrar a mim, aquela que aprisionei nos grilhões... e de quem me tornei feitora.

Meu Visconde, voltei correndo a sua última carta, ainda na minha caixa postal (para torná-la pública em breve). Voltei intuindo que algo dela me escapara, como se a tivesse lido por algum acesso muito restrito, pequeno, apertado. Não deu outra: só desta vez pude entregar-me ao deslumbramento da tua alma. E é por isso que te peço licença para preparar o espírito dos amigos para o que está por vir. Escutem.

Jura Secreta e Encontro das Almas

Eu agradeço a existência dos que me devolvem a mim, exigindo que eu seja o exercício do meu melhor, e do meu desafio em ser,

Um beijo,
Guilhermina



3 comentários:

Nine de Azevedo disse...

Querida Guilhermina
Saudades de vc, e lendo seu texto nessa manha pensei na musica citada , infelizmente ultimamente varias coisas me intristecem e nao so uma palavra me devora.A expressao que mais tenho vontade de dizer é:eu amo voce!E de ouvir também.Mas hoje penso que amar é uma dadiva que nem todos recebem,e que as vezes recebemos, mas a perdemos.Sem pesquisas sempre soube que com afeto tudo é melhor de ser vivido ,apreendido e compreendido.Nao se esconda e ou se desencontre dos seus afetos.Voce ja esta entre os meus.beijos

Susanna Lima disse...

Vejo que andas a ter maravilhamentos consigo própria, Rainha... (re)descobrir-se pelo olha do outro é fantástico.

Espero que, depois desse movimento, não se aprisione novamente.

Beijo,
Sus.

Maria disse...

Permita-me continuar com o sentimento de honra, por você, pela bela homenagem de sua amiga. Mais que bela, é quase suficiente. Creio que o risco de ser - parecer é até melhor - vulnerável ou se tornar piegas, deve valer a pena. Se não valesse, não teria encontrado a ti mesma, em outra, com tamanha beleza.

O carinho de sempre.