Queridos desta esquina,
Já vem de longe minha secreta paixão por cartas. Confesso mais: vem de provocações edípicas. Guardo até hoje as cartas, os bilhetes, os cartões que meu pai, tão ocupado, me deixava, nem sempre por algum motivo ou data especial. Foi assim que aprendi que cartas são fotografias verbais, capazes de fazer uma aproximação possível na distância, uma intimidade acariciada pela palavra, um tempo de dizer e um tempo de ouvir. Um registro, um pedido, uma espera de resposta, uma ansiedade, uma chegada sem corpo, mas plena de intenção – palavra que se repete, que reverbera, que diz de novo, mais uma, e quantas vezes a buscarmos ou pudermos dissecá-la por outro ângulo, por outra interpretação.
Foi sem perceber que assumi, eu também, esse jeito de dizer de mim, de tocar o outro com uma palavra que datada, eterniza-se no papel. Essa é a grande diferença entre a palavra falada e a palavra escrita: o compromisso que esta última exige ao fazer-se registro, prova, manifesto e documento. A palavra escrita tem assinatura. Destino, remetente e endereçamento. Ela é história, testemunho e testemunha.
Foi assim que um dia, lá se vão vinte anos, arrumando uma armário, cena prosaica, coisa banal, encontrei a caixa. Eu sabia exatamente o que ela guardava: todas as cartas que eu mesma escrevera ao meu marido, o pai das minhas filhas. Ele as lia e deixava-as sobre a primeira superfície que encontrasse pela casa. Era eu quem as recolhia e guardava.
Naquele dia, sentei-me no chão com a caixa entre as pernas. Organizei os papéis em ordem cronológica e comecei a relê-los. E aquelas palavras, antes endereçadas a ele, fizeram de mim meu interlocutor. Naquela tarde, meu lamento, minha queixa, meu pedido pelo seu olhar que não vinha, minha indignação, minha solidão, minha tristeza me voltaram como pergunta, questionamento, inquisição. Eram quase dez anos de uma fala que se repetia, mudando de circunstância, de data, mas sempre em reedição. Estava lá, diante dos meus olhos, a insatisfação que eu não vi. O impossível do encontro que adiei admitir. Eu estava lá em espera, em ameaça de partir. Eu estava lá, coagulando no tempo. Naquele dia fui embora, rumei ao meu melhor destino, aquele que escolhi.
Esta esquina virtual nos aproxima também por esta via. Conosco senta à mesa aquilo que temos a dizer. É nossa palavra e somente ela o que nos representa para o outro. Na blogosfera, somos o que atuamos, o que fingimos, o que dizemos ser.
Entretanto, acontece coisa curiosa... ao mesmo tempo em que muitos de nós entram e saem (dos blogs, dos sites, dos bares) sem deixar rastro ou palavra (o contador da página nos diz isso); nossa natureza humana, gregária, sensória... nossa tendência às identificações e à curiosidade, talvez, nos instiga a buscar contornos físicos, a investigar “verdades”, ao encontro do olho no olho, a tornar real o virtual. E, mesmo em tempos apressados, em distâncias medidas em quilômetros, em impedimentos e resistências, tenho conhecido pessoas e encurtado essas distâncias e estranhamentos.
Outro dia isso aconteceu com Cecilia (do blog Lua em Libra). E numa tarde em que o tempo foi pouco, tamanha a vontade de ficar mais, restou-nos a volta à blogosfera, agora num espaço com jeito de meio do caminho, de ponto de encontro, de quarto de confidências, de caixa postal com gosto de aproximação possível.
Já indo embora, subindo as escadas que a embarcariam de volta para Porto Alegre, onde mora, Cecilia ainda me perguntou: ...será então um blog de missivas?
— Sim, Cecilia, missivas do porto e do rio.
Estão lá nossas cartas abertas, um pouco mais que compartilhamos, e o post-scriptum, espaço coletivo, que não termina nunca, a espera de vocês. Até breve, até o meio de nossos caminhos,
Um beijo,
Guilhermina
Já vem de longe minha secreta paixão por cartas. Confesso mais: vem de provocações edípicas. Guardo até hoje as cartas, os bilhetes, os cartões que meu pai, tão ocupado, me deixava, nem sempre por algum motivo ou data especial. Foi assim que aprendi que cartas são fotografias verbais, capazes de fazer uma aproximação possível na distância, uma intimidade acariciada pela palavra, um tempo de dizer e um tempo de ouvir. Um registro, um pedido, uma espera de resposta, uma ansiedade, uma chegada sem corpo, mas plena de intenção – palavra que se repete, que reverbera, que diz de novo, mais uma, e quantas vezes a buscarmos ou pudermos dissecá-la por outro ângulo, por outra interpretação.
Guilhermina
6 comentários:
Boas-vindas para esse novo espaço.
"Somos o que dizemos ser"
Que afirmação pode ser mais verdadeira na blogosfera?
E repetimos tanto o que dizemos ser que, em algum momento, talvez passemos mesmo a sê-lo.
Há que pensar.
Beijos.
Amada rainha tambem gosto de cartas,de recebe-las e de envia-las.Fui la ler as de voces.Sao muito interessantes.Que elas continuem a render frutos para todos nos!bjs
Guilhe
Parece-me que estamos sempre em busca de nós mesmos.Nos espelhos que encontramos estamos sempre nos surpreendendo.Cartas nos retratam melhor que um espelho.
Relê-las é como rever a fotografia do que éramos.É reviver a emoção do desejo que tinhamos ao escrevê-las.
Estaremos mais próximos desse desejo agora?
Sem você mencioná-las,já me teria esquecido das cartas.Vou procurar as minhas.Obrigada.
Beijo.
Rainha adorada:
Já estou postado em frente a minha caixa de correio, de onde não arredarei pé sem receber tua trama epistolar.
Teu, sempre.
Albuquerque.
No blog da Cecília sobre o assunto me confundi (êta, distração!), achei que vcs. estavam querendo que os leitores completassem o poema, e lasquei lá uma "missiva da lagoa", he he...
Muitas e calorosas missivas!
Meu Deus!!!! estou super atrasada para chegar ao trabalho, mas antes de tudo eu passei no meu blog para dar uma espiadinha. Queria dizer uma coisa, escrever uma carta para minha amiga San. Na pressa eu coloquei a palavra missiva no google e cheguei aqui! Que pena!!!! não posso ficar mais para ler. Virei um bilhetinho de geladeira rápido .
Só mais uma coisinha quando eu vi a foto da máquina de escrever eu achei , sinceramente, que devia seguir você.
Beijos apressados
Leila Brasil
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