sexta-feira, 29 de maio de 2009

contraprova

Há um blog – aperte o alt – que eu adoro. Renato, seu autor, posta toda 2ª feira. Não nos oferece nem mais, nem menos. Na última 2ª, dia 25 de maio 2009, lá estava seu texto: nota. Naveguei por ele e a cada linha eu era mais parte, personagem, sentimento com voz. Eis o que minha personagem disse a ele (ou a quem ele emprestava a pele e as suas palavras)

Querido,

Não quero teus sapatos. Não me cabem nos pés, mais delicados que os teus. E além do mais, nunca propus, nem a ti nem a nós, andarmos pelos pés do outro. Desejei caminhos cruzados, o encontro das nossas estradas. Mas, confesso, não me espanta que os tenha deixado. Tu és assim. A liberdade, para ti, está sempre onde não estás. Mora do lado de fora de ti e das escolhas que fizeste antes.

Quanto debate! Assim, ainda demoras a descobrir que liberdade, felicidade e paixão são três estrangeiros que nos visitam (se encontram a porta entreaberta, posto que não têm paciência para arrombamentos) por instantes, e sempre de passagem.

Por isso mesmo, tu e eu sabemos que não saíste agora. Saíste muito antes. Começaste a partir no momento seguinte ao que chegaste. É a tua natureza: indomada e insatisfeita.

Sim, preciso de amigos, das coisas que gosto e de cumprir obrigações do dia. Tu não me bastas, como bem desejaste que eu coubesse em ti. Não caibo, não me conformo, não há como sobreviver no confinamento da tua liberdade. Desejo a ti, por isso, algum porto de deslumbramento tanto(!), que nele se espante o teu desejo em querer mais do que somente atracar como faz o marinheiro-pirata, o forasteiro explorador... Os colonizadores de exploração são saqueadores de terras alheias. Eu te quero melhor que isso. Um povoador, um edificador de alguma civilização.

Quanto ao dinheiro, o que deixaste sobre a mesa para o pagamento de metade das contas no próximo dia 5, não te agradeço. Nem se vanglorie. Não fizeste mais do que a tua obrigação ao deixá-lo. Lamento se o faz como vingança. Não te fará bem.

Agradeço a ti por outras coisas. Agradeço pelo que deixaste de lembrança, essas raízes-parte da minha história. E agradeço também pela ausência de contato que me prometes a partir de agora. Nada poderia me ser mais protetor dos malefícios do teu ressentimento.

Ressentimento, sim, ainda que o tente negar. Mas que outro afeto poderia ser responsável pela tentativa em vão de ser indiferente? Já te disse antes. A indiferença não dirige palavras, ao contrário, é vazia delas. É nesse ponto precisamente que a tua traição, a verdadeira traição (porque atinge a você e não ao outro) acontece: quando desejas justificar tua partida na desqualificação da última paragem. Quanta bobagem! Quanto desperdício! O que te falta para o entendimento de que há sabedoria em desejar mais ao invés de sempre querer outra coisa?

Guardo a foto de Sierra Nevada, pode deixar. Preservarei todas as lembranças que minha memória puder armazenar. Por afeto? Certamente. Mas também por ensinamento. Como haveria de escolher, seja o novo ou o mesmo, sem os registros daquilo que já vivi?

Deixo este bilhete, e os seus sapatos, na casa da tua mãe, para que os encontre na próxima visita. Lixo? Você quem sabe. Talvez você um dia os descubra como relíquias. Ou escombros.

Boa Sorte.

P.S. Deixarei lá o teu chaveiro também. As fechaduras das portas, social e de serviço, foram trocadas.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

portal das estrelas - por Nine

Sou fascinada por Sci-Fi desde criança. Tudo começou com Jules Verne. Sonhei deitada na rede na casa dos meus pais, com viagens ao centro da Terra, 20 mil léguas submarinas, Voltas ao mundo em 180 dias.

Assistia National Kid, adorava os Incas venusianos! Eles eram tão fashion com aqueles macacões pretos... Quem é muito jovem e não tem a menor idéia do que eu estou falando, se dirija, por favor, ao santo Google que resolve nossos problemas de ignorância de cada dia.

Depois veio Startrek: Capitão Kirk, Dr. Spock, meu preferido, e a enterprise. Queria tanto fazer parte da frota estelar... Fazia de conta que meus 3 irmãos eram Klingons... Teletransporte será divino! Não acreditam na possibilidade, leitores de pouca fé? Andem de bus, peguem engarrafamentos monstros e vocês vão rezar pela iluminação do cientista que o inventara. Depois veio o capitão Picard, os outros capitães não gostei. Mas aí também eu já era adolescente, preferi deixar o Kirk e o Picard pelo Henrique, filho de um capitão do exército que morava na minha rua.

Respirem fundo agora: George Lucas criou Guerra nas estrelas. Luke Skiwalker, a sem graça e chata da princesa Leha, o bonitão e folgado Hans Solo, o leal Chewbacca e claro, o arquivilão Darth Vader. Então quis ser uma dama jedai, que a força esteja sempre aqui na esquina!

Ah, teve também o adorável ET-home do Steve Spielberg. Aliás ele deu entrevista a uma revista americana dizendo que não compra nenhum móvel com pés. Ele tem medo. Quando criança achava que eles iam sair andando atrás dele. Meu medo de panela de pressão e liquidificador é pouco perto do dele, já que eu os tenho em casa. Prefiro vigiar meus inimigos de perto... Mas o compreendo perfeitamente. Meu medo de tempestades não passou, e já cresci o suficiente. Já meu medo de monstro que mora embaixo da cama foi embora. Apesar de que, por via das dúvidas, se meus pés saem debaixo das cobertas e ultrapassam o retângulo, eu os recolho correndo... Vai saber! Por isso gosto muito do Calvin, ele sabe dos perigos que rondam embaixo das camas e que inocentes pais ignoram.

Percebi com o passar dos anos, que a maioria das pessoas criativas apreciam Sci-fi. Elas tem uma mistura de maluquice e lucidez, resultante na "maluquez", já cantada pelo maravilhoso Raul Seixas. Isso é, para antever fatos, eventos, inventos, projetos é preciso viver com a mente fora do seu tempo. Mas se não casar criatividade, imaginação, inteligência com lucidez, pés no chão, e determinação, você só é louco. O limite é tênue. Já escrevi no meu perfil no orkut que "Normal people is so boring!" Em bom português: pessoas normais são tão tediosas, chatas mesmo! Mas gente louca também é! O negocio é ficar no meio. O tal do Dharma.

Sou super organizada. Tenho que ser, estou sozinha agora, não trabalho pela CLT, não ganho rios de dinheiro, la vie oblige! Não tenho nenhum tipo de patrocínio.

Meus armários são um primor, até o Monk da série de TV a cabo não teria um ataque no meu apartamento. Arrumo meus sapatos por cores, separo as roupas por tipo: parte para saias, calças, fecho as minhas malhas em sacos plásticos com fecho zipatudo. Calma gente! Vocês estão achando que é muito, não é?! Vão ver que não: tenho uma amiga que arruma pelas cores do arco íris, e que conhece outra que arruma pela escala de Newton acrescida de observações de ondas de Goethe, resgatadas por Paul Klee e Kandisky... Excentricidades são o máximo!

Gosto de arrumar coisas, porque enquanto arrumo por fora, organizo minha cabeça por dentro, dizia meu terapeuta. Não sei, só sei que me acalma. Podem ficar sossegados já tive alta do terapeuta. Mas meus amigos e filhos me oferecem os armários e arquivos deles em caso de emergência, estresse brabo. Tudo para me salvar de mim mesmo. Gosto de pintar caixas, fazer colagens, decoupages etc... e outras coisas que invento para dar às minhas amigas, filhas e para mim mesma. Não posso vendê-las, como já me sugeriram, porque não sei fazer nada anonimamente. Tenho que pensar na pessoa a quem eu quero dar, então criar minhas caixas, bijuterias, sous-plats etc...

Cada um de nós tem suas peculiaridades, suas esquisitices mesmo. Se a gente não surtar frequentemente, podemos até realizar coisas bacanas. No meu mundo, já que sou autista por opção, pode-se surtar 4 vezes na vida. Porque 4? Porque eu gosto do número 4 e o mundo é meu! Já surtei 3 vezes, só tenho direito a mais um na vida.

Por isso tudo, sejamos mais criativos, assumamos nossas diferenças, manias, esquisitices, peculiaridades, excentricidades, idiossincrasias. Se a gente se aceitar, as chances dos outros nos aceitarem serão maiores. Quando alguém perguntar por que você faz ou não faz tal coisa, abra seu melhor sorriso e responda: Porque eu gosto ou não gosto, eu sou assim, não é legal?!...

Esse mundo que é você, sou eu, somos todos nós, deve ser visitado por outros seres, não é para ser solitário, não é bom... Sempre lembre os que adentram ao seu stargate, com a sua permissão, claro, que são bem-vindas, mas que o mundo é seu, que as regras são suas, que pode acrescentar, mas não diminuir ou mudar esse universo que é você!

E não perca nenhum episódio de Stargate Atlantis!

beijos científicos e fictícios,
da Nine de Azevedo

terça-feira, 26 de maio de 2009

um cordão de muitas pontas

Semana passada, na sala de espera para fazer uma ultrassonografia, exame de rotina, nada de mais; encontrei um folheto-propaganda de uma clínica que anunciava já estar disponível a nós brasileiros, nação em desenvolvimento, a tecnologia para coleta e armazenamento de células-tronco retiradas do cordão umbilical de nossos recém-nascidos.


Tratava-se de marketing dirigido e bem posicionado: gestantes são as mais assíduas e felizes clientes de clínicas de imagem (ultrassonográficas). Mais que isso, mulheres-mães-cangurus são alvos facílimos de serem atingidos pela oferta de produtos, serviços, frescurinhas e acessórios; úteis ou não; para o bebê. Aquelas de primeira viagem então... chegam a dar nos nervos!


Eu; uma futura-talvez promessa remota de avó, não sei bem se por prudência ou se porque adooooooro papéis, cataput, mandei o folheto pra dentro da bolsa, pensando em mostrá-lo às minhas duas filhas.


Cá entre nós, aqui à boca pequena nessa nossa mesa de bar virtual, essa história de célula-tronco é genial! Torna real aquele desejo humano, muito antigo, de poder adquirir peças de reposição, caso a original falhe, e ainda vem com o bônus de fazer um up grade?! O que mais poderíamos querer? Estamos diante de uma daquelas coisas que nos faz ter que relativizar o velho e chato jargão... no meu tempo era tudo muito melhor...


Pois bem, assim que cheguei em casa procurei pelas minhas filhas para mostrar o folheto. A mais velha, já com a mochila nas costas, saiu rápido, deixando a conversa para depois. A mais nova, estudante de medicina, pegou o folheto interessada, ensaiou sua didática para ampliar meus saberes sobre o assunto e chegou às questões éticas, que neste caso, nem envolve o quesito “embriões congelados”, já que estamos falando da coleta em cordões umbilicais de recém-nascidos. Estávamos, portanto, transitando pela seara mais fértil e generosa da medicina, das ciências afins e da tecnologia. Era uma daquelas coisas que faz a gente se orgulhar da espécie, da inteligência, do verdadeiro serviço à existência.


Já ia dando a conversa por encerrada quando ela levantou a bola: ...o problema, né mãe, é que os bancos de coleta e armazenamento deveriam ser públicos e gratuitos. E porque não, as doações obrigatórias, já que o procedimento não oferece risco e é indolor. Em caso de necessidade, o paciente buscaria um doador que lhe fosse compatível... Agora, esse negócio de pais pagarem para preservar o material do seu filho, para consumo próprio é um absurdo!


É? Mas por que você acha isso?
Perguntei


Por que você não acha bom que cada um preserve o seu material, diminuindo a chance de rejeição?


Ela nem parou para pensar. A resposta já estava pronta: primeiro porque se for assim, mais uma vez só alguns privilegiados terão acesso a esse recurso. E isso tanto enriquece esta medicina de castas como mantém a perversidade que vemos na saúde pública, atualmente. E depois, e o que é ainda pior, se em muitas doenças, já podemos comprovar que existe um fator genético de predisposição para seus desenvolvimentos; a introdução de célula-tronco de um paciente nele mesmo tende a reforçar esta predisposição. É como beber água da mesma fonte contaminada que te fez adoecer. Mas, ao contrário, quando encontramos um doador diferente e compatível, é claro, aumentamos muito as chances de não reforçarmos o problema, entendeu?


Foi ela que encerrou a conversa, indo fazer outra coisa. Fiquei ali, parada, pensando no assunto. Então agora está cientificamente comprovado que se preocupar somente com o próprio umbigo é uma burrice. E que custa caro?! Que mais será necessário para o mundo compreender isso?


Beijos,
Guilhermina

quinta-feira, 21 de maio de 2009

filme - por Eduarda

Querida rainha,

Faz um bom tempo que tento arrumar minhas idéias que, mais recentemente, embaralharam-se. E está parecendo que elas assim permanecerão, já que não há nenhum sinal de ordenação à vista. Por isso mesmo, tento escrever. Usar as palavras nos ajuda a pensar.

Mesmo nesses tempos difíceis, para alguns, pensar ainda desembaralha as idéias. Sem aviso, de repente e mais do que em outras épocas, surgem aos borbotões pensamentos, perguntas, sensações e imagens sobre o que eu vivi e vivo. Deve acontecer com todos esta curiosa vontade de tentar dar sentido ao que se é, ao que se quer e ao que se faz... Principalmente aos cinquenta. Recém chegados.

Surge, mais do antes, uma vontade estranha de tentar saber como é que foi mesmo a vida até aqui. Como se estivéssemos pra lá da metade de um livro e nos perguntássemos se estamos gostando. E junto com essa vontade vem quase sempre, em seguida, a mais do que conhecida e óbvia constatação: não é que tudo acontece muito rápido? Sem dúvida.

E aí, nesse vai e vem de indagações, vontades e constatações e apesar da correria que nos assola a todos, achei que nesta altura do campeonato seria interessante.,, afinal de contas, fazer uma pausa para uma... como direi? Avaliação, de como tem sido a minha vida.

Outro dia me ocorreu que seria muito bom se houvesse... sei lá... um tipo de filme, que pudesse nos ajudar a entender mais e melhor como tudo aconteceu.

Seria mais ou menos assim: ao chegar aos cinquenta, você receberia um mail, te convidando pra assistir ao compacto dos melhores momentos da sua vida. E aí... num click, lá estariam as casas, os brinquedos e brincadeiras, a família, a primeira bicicleta, as escolas, o primeiro namoro, depois todos os outros, os amigos, as viagens, as músicas, os livros, as escolhas, os erros, os acertos, as dúvidas, as certezas, a chegada dos filhos, o crescer dos mesmos, uff! Enfim... quase tudo. Claro que com som, cheiros e luzes em tempo real. Pra te deixar boquiaberto.

E te fazer pensar.

Quem sabe, depois de relembrados e um pouco mais bem informados sobre nós mesmos, estaríamos mais preparados para iniciar mais esta grande aventura da vida: envelhecer de vez; e se possível, achando tudo muito legal.

Acaba de me ocorrer se teríamos feito a mesma coisa se soubéssemos que estávamos sendo filmados. E pior: e se nos 100 alguém inventasse de mandar um mail sobre a segunda metade e o final não fosse lá grande coisa?

Vou tentar sem o tal filme mesmo.
O tempo urge.
Se as idéias se arrumarem dou notícias mas vou poupá-la do resultado da avaliação, claro.

Beijos.
Eduarda

sexta-feira, 15 de maio de 2009

fendas do tempo - por Nine

Queria começar essa crônica por um poema do Marcantonio Araújo, jornalista, blogueiro do "porumpratodecomida", dono de bar bacana em SP, o "Barão de Itararé", professor entre outros...

Fenda
Algumas pessoas chegam, nos transformam por inteiro
depois vão embora e nos deixam pela metade
essa parte que some é a que nos tornava únicos
a que fica é para que não sejamos os mesmos
uma grande amor entra e sai pelas janelas de uma casa diferente

Um grande amor, quando vai embora tranca a porta por dentro


A razão desse poema do Marco estar aqui, entre os inúmeros que ele escreve no blog e que eu gosto muito, é que depois de uma viagem ao Rio, nesse fim de semana que passou, eu achei o moço do retrato... Tudo começou assim:


Acordei "assonada" às 6h30 da manhã de sexta, resultado de meio comprimido para dormir ingerido às 2h37 da madrugada, quando acordei achando que já eram 6h... Já sabia que isso ia acontecer quando marquei com a Rose, minha amiga, na véspera ... Ela passaria aqui em casa antes da academia para eu mostrar onde guardo as coisas do Pepsi, cão do qual eu sou a humana. Liguei o celular correndo enquanto ia ao banheiro. O celular da Rose não atendeu, mas já tinha 2 mensagens dela... Conclusão da Nine: Se ela não atende no cel é porque ainda esta em casa! Ligo, o marido atende com voz de quem eu acordei, com uma educação suiça me diz que não foi nada e que a Rose já saiu, desligo depois de mil pedidos de desculpas... A Rose, o marido e o Francisco, o cachorro dela, moram 4 ruas para baixo da minha. Logo toca o interfone. O Nivaldo:


D.Nine, a D.Rose esta aqui, mas eu ja disse para ela que nao posso tocar antes das 7hs da manha, mas ela insistiu!


Tá bom Nivaldo deixa a D.Rose subir logo, eu acabei de acordar, ainda estou de pijamas e preciso de um Listerine urgente...


Ele não entende nada, mas responde sim, senhora!


Corro para o Listerine e o pente, toca a campainha de som de passarinhos cantando. Tem quem ria, tem que ache esquisito, eu, como o distinto parlamentar estou me lixando para a O.P.;só que em mim o Povo não vota!


Não sei vocês, mas eu antes da minha caneca de leite, café, ovomaltine e canela não sou ninguém. Então dou a sacola com lãs, que eu comprei na véspera, na 25 de março, para a Rose se distrair como um gato Ela fará um cachecol, echarpe, cheio de lãs com paetês e brilhos que fariam o Clovis Bornay morrer de inveja para as minhas meninas! Pego a minha caneca preferida e me sento no sofá em frente a Rose. O Pepsi num frenesi de alegria e entusiasmo matinal pela presença dela na casa, pula de um lado para o outro sem parar. Na terceira vez, consigo graças a ele, derrubar minha poção matinal no sofá cor de manteiga aviação, no tapete e em 3 livros de arte que estavam adormecidos em cima da mesinha lateral... Tranco o Pepsi na varandinha de castigo. Rose e eu saímos correndo para limpar a lambança. Ofereço depois desse rebuliço um café puro, agora para nos duas. A cafeteira resolveu quebrar justo agora, vamos de Nescafé mesmo, baristas vão nos crucificar... Ela saiu para aula de alongamento, depois de ganhar um colar de lapis lazuli igual ao meu, sem embrulhar nem nada, não tive tempo, mas ela gostou! Corro para arrumar minha cama, comer minha papaia e torrada, troco de roupa, escovo os dentes e saio com o Pepsi para o passeio diário dele. Meia hora de caminhada pelas ruas do bairro. Não encontrei o humano-gato de idade compatível com o cão dele, o Toddy... Que pena! Nós temos tanto em comum! O que Nine?!! Ué, gostamos de cachorros e colocamos nomes de bebidas nos nossos! Óbvio! Volto, tomo banho, cato os lixos do ap, fico linda, fecho a mala, restrinjo a área do Pepsi com água e brinquedos, caminha e jornais (Rose e porteiros se ocuparão de dar ração etc). Peço ao Nivaldo para me chamar um táxi, desço com a mala, a bolsa, a sacola de lixo até a garagem, deixo na portaria o RG da Rose e a autorização para ela entrar enquanto eu não estiver. Aqui é mais guardado que Fort knox! Acabo de lembrar que deixei o gás do boiler ligado. Peço ao Nivaldo para pedir ao zelador para ir lá em casa desligar. Entro no táxi e vou conversando com o taxista sobre economia doméstica. Como eu consegui economizar 10% na minha conta de eletricidade só desligando as tomadas a noite. Desligo tudo religiosamente e ainda ajudo o planeta, sou o máximo! Ele me conta como também economizou depois que as duas filhas saíram de casa. Filhas são só despesas e preocupações, me diz ele... Concordo gravemente, não quero me indispor com ele antes de chegar ao terminal... Vinte e quatro reais mais tarde, chego ao Tietê com conselhos do motorista de usar máscara no Rio contra a gripe suína! Não adianta explicar a ele que a máscara só funciona por 2hs e a OMS não recomendou. Lavar as mãos varias vezes ajuda muito, tento argumentar, o senhor não leu o Marcelo Coelho na Ilustrada na quarta passada?


Não, só leio o Estadão!


Ah, então tá, tchau, obrigada viu, credo! Deve ser fã do Reynaldo Azevedo! Inimigo do meu jornalista preferido também é meu inimigo... vou ao guichê da Itapemirim e compro as passagens de ida e volta no domingo. Plataforma 27. Chego lá e ganho um "estadão", sem comentários, please!
Me acomodo na poltrona executiva, que de executiva só tem o nome, porque mesmo os de baixo escalão, viajam é de avião! Para meu deleite, não senta ninguém ao meu lado. Li o jornal inteiro, vários editais, crônicas sobre a declaração no distinto deputado. Gostei mais da de Dora Kramer, li que o Wolverine esbanjou simpatia no Rio, ele poderia esbanjar o que quisesse aqui em casa... Comprei um sanduíche de queijo na parada, não resisti, cai na armadilha dos marqueteiros e, no caixa, comprei uns cajuzinhos. Quem quer levar um corpaço para o além? Eu não! Na entrada da Serra das Araras, em vez delas, encontramos blitz da polícia rodoviária, 20 minutos de revista das bagagens. Meu filho me liga e diz que não vai poder me buscar na rodoviária, que me leva amanhã na rua onde morava o moço do retrato. Não quero, vou hoje mesmo, direto da rodoviária, de táxi, e passarei o resto do mês a pão e água ... Chegamos atrasados no Rio, graças às novas araras da serra! Pego um táxi e negocio o preço com o taxista, de lá até o bairro do moço é tabelado, mas da rua do moço até o Recreio, onde minha prima mora não é. A caminho de lá, descubro que o motorista esta lendo Foucault, ele tinha um livro no táxi. Onde mais eu poderia encontrar um taxista filosofo? Graças a já decantada minha memória, parei exatamente no meio da ladeira onde era a casa do moço. Mas a casa não estava mais lá. Pergunto para o a primeira passante se ela o conhece, ela o conhece sim, mas ele não mora mais ali... A mãe morreu, o pai morreu, a fábrica fechou... e eu já vou me afundando na calçada, qdo ela me diz que o inquilino dele mora ai! Vamos lá dentro que eu te apresento, diz ela! O terreno era o mesmo, mas a casa foi reformada e eu não a reconheci. Tocamos a campainha, um senhor de cabelos grisalhos vem atender e me diz para deixar meus dados, que ele entrega para a imobiliária, porque ele não tem contato com o moço... de novo vou para o centro da terra. O senhor diz: mas a prima dele ainda mora ai em frente e as luzes estão acesas! Agradeço e saio correndo, toco a campainha, vem um husky siberiano todo branco e logo atrás uma senhora. Era a K., a prima dele, com quem saímos várias vezes no tempo de namoro em dupla. Ela me reconheceu logo, contei a novela, ela me disse que ele ainda gostava muito de mim, que teve vários problemas na vida, inclusive de saúde nos últimos 4 anos... e que daria meus tels para ele. Vou para o Recreio com esperanças renovadas. Na manhã seguinte encontro meu filho, colocamos as conversas em dia. Às 11h30 encontro com a Bailarina, a K liga dizendo para eu ligar para casa do moço que ia ser melhor, uma boa surpresa. Ligo exatas 20 vezes, ninguém atende. A Rainha tb liga e diz que não vai poder vir, está com hospedes. Vamos almoçar no Delírio Tropical, já que a minha vida é delirante... Ligo para K. e digo que já tentei as 20 vezes e pergunto se ela não conseguiria o celular do moço. Ela não tem, vai ligar para o irmão do moço que mora em Sumidouro, espero que ele não tenha sumido, desculpem, mas não resisti ao jeux de mots! AS 16h me despedi da Bailarina, estava cansada e começando a desanimar, cheguei na casa da prima, tomei um banho e me deitei. Toca o meu celular. Era ele... Conversamos tão à vontade como nos tempos de namoro, a voz era a mesma, queria me ver "de qualquer jeito", nos encontramos 1h15 depois. Conversas, beijos e abraços vários, muitas recordações... Fomos tomar água de coco de mãos dadas na orla, como nos tempos de namoro...

Nine a inesquecível de Azevedo (gente me desculpe, mas meu ego está nos cabelos!)

beijos a todos da esquina!


PS. o poema do Marco é sobre fendas, do tempo, da vida, de amores. Às vezes a gente consegue destrancar a porta que foi fechada por dentro!

terça-feira, 12 de maio de 2009

inacabado

Alguém, mais de um, já me perguntou por que não contei esta história antes.

Eu não poderia.

Há um pretérito nesse futuro, sobre o qual não cesso de buscar a resposta. E sempre a encontro incompleta. Escondida nas cenas do trauma, ela me olha de esguelha, e só se revela a mim em partes, em pistas que sigo, frenética e incansável.

Acontecem, em nossas vidas, cenas que marcam um ano zero. O que éramos não poderemos mais ser, tornou-se escombro. São ruínas-testemunhas de uma existência que se extinguiu, uma marca por onde um arqueólogo, quando inicia a escavação, se pode salvá-la, é somente como registro histórico e lembrança. Mas nem ele, enquanto remonta o tempo perdido, poderá ressuscitá-lo.

Entretanto, o mesmo corpo, esse que carregamos de existência em existência quando percorrido de seiva e sangue, nele existe a vida que não cessa de se inscrever. Sem saída, só é possível seguir, amputado. Em busca, incessante, sempre, ainda.

Amei loucamente. E isso não é uma metáfora. Amei com todo o desvario, toda a possibilidade de entrega, daquelas que encosta no medo e o ignora, porque só pode existir assim. Porque só pode existir se for no outro do mesmo modo que não é possível respirar sem ar. Amei como se fosse destino.

Paixão?! Queridos, nenhuma paixão pode durar tanto tempo! Mais honesto chamar de loucura. Perde-se o pudor, perde-se a ordem, perde-se o senso de compostura. É mutilamento confesso e exposto. Um des-cer para só ser lá, no outro corpo – o adorado, o completo, o que é teu por posse e obsessão.

Amei sem sentido, porque o único sentido era o do próprio amor. E tão pleno de vigor que o resto, o mundo, a vida, pouco lhe interessa. Amei com zelo até perder o fôlego. E com coragem no desafio ao mundo. Não havia dragão que eu não pudesse enfrentar, nem moinhos que eu não encontraria. Que viessem minotauros e esfinges. Eu as decifraria, e encontraria a saída de todos os labirintos.

Um dia o amado partiu, por suas pernas e sua vontade. Partiu sem olhar pra trás. Levou pouca bagagem. Achou que era correto deixar-me a casa, as coisas e as lembranças – relíquias da Era que se extinguia. Por muito tempo tropecei em tudo que era sua ausência. E esse tudo tinha a forma dos fantasmas.

Depois confundi o amor com o amado e pensei ter aniquilado um pelo outro. Como se fosse possível deixar de querê-lo. Como se fosse possível... Qual o que! Esse amor (se é que amor tem espécie) tem a força trepadeira, renasce como fumaça, depois do grito profundo das águas da garganta do diabo. Esse amor é bicho-fera. Ele hiberna até a revirada do inverno. E então depois, só depois...

beijo,
Guilhermina

domingo, 10 de maio de 2009

livros - um produto democrático - por Aderbal

Meus amigos, ontem a convite, fui assistir ao filme Divã, no Fashion Mall. Por infortúnio do meu destino, a única sala de cinema que não estava funcionando, era a que passava Divã!

Filme perdido, passeio nem tanto. Quem conhece sabe que o Fashion Mall é um portal, daqueles divisores de água, onde de um lado tem os consumidores AA-Ao-Cubo e do outro as lojas preferidas dos consumidores AA-Ao-Cubo.

Como não faço parte desse seleto grupo, resignei-me a dar uma volta pelos corredores va-zi-os do Mall. As vitrines até assustam pouco, pois como não exibem os preços das mercadorias, dá para imaginar um dia-de-fúria-consumista e sacar o cartão de crédito. Isso se o limite permitir a transação, claro! Talvez não mostrem os preços porque sejam tantos os zeros a preencher as etiquetas... sei lá.

Mas, nem tudo está perdido no Reino de São Conrado. Eis que de repente, encontrei uma livraria! não perdi tempo e fui conferir a vitrine desta. Para meu contentamento jovem-burguês, vi livros com etiquetas, cujos preços são os mesmos praticados em qualquer outro bairro.

O que concluí com isto? livro socializa o capitalismo! Não importa se eu vá numa livraria no bairro de Noel ou no do Manoel Carlos, os preços praticados são os mesmos. Tá bom, o poder aquisitivo dos moradores de Vila Isabel e do Leblon difere e muito, verdade, mas uma das máximas do mercado não é o da oferta X demanda?

Com o produto livro, esta ordem não acontece. É mais fácil encontrar 1 litro de leite com preços diferentes entre os mercados da zona norte e da zona sul, do que o "Leite Derramado" do velho Chico.

A pergunta que não quer calar é: o preço do livro ao consumidor não considera o meio no qual ele está à venda? Alguém me ajuda a entender essa questão?

abraços,
Aderbal

sexta-feira, 8 de maio de 2009

um chopp e mais um pastel - por Aderbal

Adoro ver mulher comendo! Não vai aqui nenhum fetiche, mas uma constatação. Mulheres que comem sem culpa e com prazer, são do bem. Outro dia, estava eu sentado no Bar do Adão quando vi duas garotas numa mesa. Ambas magras, saradas, alisadas, sendo uma delas com um prego no umbigo. Nada contra, até porque, quem bate um prego no próprio umbigo sabe a toalha que tem. Esse detalhe físico das duas me chamou a atenção, pois elas não faziam parte das malhadas que só tomam leite desnatado.


Enquanto eu tomava meu chopp e esperava por um simples pastel de queijo, as meninas já se deliciavam com algo que parecia um pote de escondidinho. Era um potinho com uma crosta em cima, que a garota comia com colher e muito gosto. Naquele momento pensei, taí, mulher comendo é mesmo bonito. Pedi outro pastel para não me sentir mais tão solitário!


Eu sempre me indignava com aquelas mulheres que ficavam na minha frente, na fila do quilo, quando elas colocavam 1 folha de rúcula, 4 grãos de milho e 1 ovo de codorna no prato. Isso porque era a fila das saladas, hein! Ao passar pelos quentes, serviam de 1/4 de colher de arroz e o menor pedaço de bife que podiam escolher. Era de dá dó e raiva!


Certa vez, minha amiga Carol e eu saímos para almoçar. Nem grávida estava, mas o desejo da Carol era comer, somente, purê de batata. Não teve dúvida, chamou o garçom e pediu 1 porção de purê. Eu fiquei em estado de graça! Vi a Carol degustar do seu purê com tanto prazer que parecia ser a última refeição.


Gosto de quem gosta de comer. Não é apologia à gula, pelo contrário, deixo aqui na Esquina um Desacato àquelas moças cuja negação se impõe perante ao seu desejo de saciar a fome.


Ouço tanto os comentários dos rapazes que se frustram ao convidar suas namoradas para jantar. Sempre dizem que é chato ir ao restaurante e vê-las comendo tão pouco.


Eu não! Procuro me cercar de bons garfos, de quem sabe apreciar, não a quantidade em si, mas um dos melhores prazeres da vida, comer.

Aderbal

quinta-feira, 7 de maio de 2009

pra não dizer que não falei de flores - por Nine

Tenho um caso de amor e ódio platônico com meu professor de bodypump, o Guto. As aulas dele são tudo que eu, nós, eles precisam. Mas o cara é bravo, grita, chama a gente de preguiçosa; eu, de distraída; é irônico, cáustico mesmo. Odeio uns exercícios chamados "afundo e agachamento". Com certeza essa dupla deve ter sido inspirada em alguma técnica de tortura dos anos da ditadura ou da idade média. Ele insiste em toda aula, duas vezes por semana... para mim são os mais difíceis, provavelmente porque mais preciso deles. Sei que no futuro vou agradecer ao Guto, mas agora não dá! Dói, queima, me sinto uma Matusalém.


Quando chega nesses minutos (parecem horas) desses exercícios-tortura, fico pensando o que estou fazendo lá com aquele grandão de bunda perfeita (que inveja!) dizendo na minha cara que não gosta de cariocas!!! O que eu devolvo dizendo que cariocas são bacanas e que eu adoro paulistas. Só para mostrar a ele que nós também, como o Obama, podemos! Trocamos farpas por flores. Não é sempre assim, mas vale. Desarma.


E na hora dos exercícios de braços?! O homem faz dancinha, gente, trabalhando os bíceps! Não é de matar um professor assim?! Fico com raiva de mim mesma, por todos os biscoitos amanteigados que comi e que ainda comerei. Não sou nada confiável com comida. Com o filet en croute que eu fiz, o cheesecake e o mil folhas da confeitaria próxima de casa, os pães do Olivier Anquier... outro demo: bonito e ainda faz pão bom! O Guto declarou outro dia que só come miojo... só tendo pacto com o...! Não é possível, comer porcaria e ter o corpo que ele tem. Ou então ele foi abençoado e eu amaldiçoada. Meus pais esqueceram de convidar alguma fada madrinha no meu nascimento.


Sempre fiz exercícios regularmente, mas não para me matar de cultuar o corpo. Preferi o cérebro: fiz mais "cerébropump" do que bodypump. Li muito, dei muita aula, traduzi muito, escrevi muito. Minha mente foi, é e será sempre exercitada à exaustão. Mas não posso, não podemos abandonar nossos corpos. Tenho, temos que cuidar mais ainda dele agora. O prazo de validade já venceu a metade. Exige manutenção e revisão quase diária para continuar a funcionar bem. Se nós quisermos continuar lúcidos, andando, se movimentando, carregando nossas compras sozinhos... fora a estética, que não precisa ser mencionada... Oscar Wilde já escreveu que quem não se preocupa com a aparência é idiota. Lembrem-se, não existem mais muito escoteiros por aí querendo fazer boas ações para com velhinhos adoráveis.


Minha tia-avó está com 82 anos. Viúva, mora sozinha, limpa a casa dela, cozinha, vai ao culto na igreja dela e caminha muito. Tudo sozinha.


Também quero ser uma velhinha "maneira" como minha tia-avó Dina. Então o jeito é enfrentar semanalmente esse escorpião-escorpião de corpo e altura perfeitos e língua acida! Oh céus!


beijos solidários a quem tem um " Guto" em suas vidas...
Nine

segunda-feira, 4 de maio de 2009

bilhete - por Guilhermina e poesia para quem precisa de poesia - por Visconde

Amigos,

Deu pane. Minhas idéias parecem arquitetar uma rebelião. O computador anda me olhando de esguelha, como um larápio, um pirata, um assaltante. Chego a confundi-lo com um auditório onde as tais idéias se confinaram em reuniões intermináveis, votações sempre empatadas, posições adiadas e muita indecisão entre mim e eu.


Há um tempo na minha contramão, é verdade. Mas com tantos feriados? – vocês devem me perguntar. Queridos, os tempos internos ignoram estas convenções – é tudo que posso argumentar em meu favor.


É assim... às vezes ponho-me em reviravoltas até que volte, revirada mesmo... Melhor que somente revolta, não?


Fiquem com o Visconde, tão mais coerente. Amanhã ou depois, a Nine nos trará mais uma vez seu jeito doce. Eu já volto.

Beijo,

Guilhermina




Prezados,


Terei sido um dos últimos a assistir à Palavra (En) Cantada, por supuesto. Mas parti célere rumo a considerações. Estranhei em filme que passa em perspectiva as letras das canções brasileiras algumas ausências. Claro está que se trata de um pequeno documentário, não de minissérie. Logo, muita coisa precisaria ficar de fora, quanto mais pela abundância e excelência dos artistas envolvidos no universo musical da terra de Vera Cruz.


Mas como explicar a falta de um depoimento de Caetano Veloso (que, quando aparece, em cenas de festival, mais assemelha-se a um debilóide do que ao compositor que é)? Vitor Martins? Abel Silva, Gabriel o Pensador? E Aldir Blanc??? Prezados, como justificar a exclusão de Aldir em uma obra dessa natureza? Sem contar que a película simplesmente ignora Ronaldo Bastos e Fernando Brant, os maiores letristas do Clube da Esquina, cuja importância para uma nova estética - incrivelmente sofisticada - da música do patropi é tremenda.


Estas ausências tornam-se ainda mais incompreensíveis quando vemos um bom tempo do filme preenchido com, por exemplo, Maria Bethânia declamando Fernando Pessoa ou as falas do diretor teatral José Celso Martinez Corrêa. Esses momentos podem ter sua beleza - Bethânia é bela sempre -, mas que parentesco guardam com o tema - a canção brasileira?


Enfim...eu que faça meu próprio filme e deixe as escolhas alheias em paz. Mas não posso deixar de destacar a visão da Calca que, diante da ridícula discussão quanto ao fato de letra de música ser ou não poesia, sai-se com algo como: "A vida é muito curta para tratar disso".


Pois, por óbvio, letra de música pode ser, sim, poesia. Da mesma forma que o que chamamos poema (numa definição tosca, versos desprovidos de melodia) pode NÃO ser poesia. A quantidade de poemas sem poesia é absurda. Poesia, penso eu, é epifania. E pode ser encontrada onde quer que a contemplemos. Em "O leitor", por exemplo, que também vi esta semana, a humanidade, para o bem e para o mal, que há naqueles dois personagens principais é pura poesia. A poesia não é privilégio do que se define como poema: pode estar numa exposição de orquídeas no Jardim Botânico, numa lágrima, num pedaço de pão, numa casinha na serra, na aprendizagem de um analfabeto, no bolo da vovó, numa tarde de temporal, em adormecer nos braços da mulher amada.


Mas se o próprio Chico Buarque, o Poeta entre os poetas, diz não sê-lo no filme...Aí, é fim de papo, pois que se trata da própria poesia negando a si mesma. Não me espantaria saber que ele escreve na ficha dos hotéis mundo afora no campo profissão: astronauta. Ou auxiliar de escritório. Ou operador de telemarketing. Ou designer de jóias. Ou...ah, esse último ele é! Como ninguém.


Abraço-vos.

Rainha adorada, passo no mundo a ler, no misterioso livro do teu ser, a mesma história tantas vezes lida.

Teu,

Albuquerque.