
Vivemos em tal nível na exposição de idéias nesta esquina que por vezes até me olvido do terreno pantanoso em que tantos irmãos nossos patinam. E caem. Mas uma voz devolveu-me à realidade. Escrevo ainda sob o impacto da entrevista que me concedeu a doutora
Senhoras, senhores: no universo de pessoas entre 16 e 60 anos no Brasil - ou seja, a população economicamente ativa -, a escolaridade média é de pífios 16,4%. Céus, nem nas minhas suposições mais pessimistas seria eu capaz de chutar um número tão ralo! Dos atuais 10,6 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, só 48% estão no Ensino Médio, sendo que dos 3,6 milhões anuais que se matriculam na 1º série, apenas metade termina os estudos. Em outras palavras, os outros 1,8 milhões morrem na praia! Contou-me a dra. Wanda: "Hoje, vivemos o absurdo de termos postos de trabalho disponíveis e falta de pessoal qualificado para ocupá-los. O mais brutal é que o desemprego entre a juventude - segundo a PNAD de 2007, 61,4% do total no Brasil - atinge o triplo do registrado em outras faixas etárias. Cresce o percentual de jovens que não estudam nem trabalham. Os índices de violência já corroem mais de 10% do PIB nacional. Se providências urgentes não forem tomadas, haverá um apagão de capital humano. Cabe ao jovem escolher se vai permanecer vivo; às empresas, se querem dispor de recursos humanos qualificados; e, ao País, se pretende ser competitivo no ambiente internacional". Que palavras fortes. E quanta lucidez.
É o descaso com que sempre se tratou a Educação no país - não vamos nem dizer a Cultura, esse acinte, quase um deboche, do luxo - mostrando a sua conta, com juros exorbitantes e correções extorsivas. Senhoras, senhores, passamos a vida a ouvir falar de desemprego e agora temos emprego e não há pessoal habilitado a empregar-se? Disse-me a doutora que foram importados 700 chineses para Macaé-RJ, porque lá não havia gente capacitada. E 10% - rapaz, 10%!!! - do PIB são dragados pela violência??? É o crime do abandono ao campo educacional sendo pago com o crime vulgar das ruas. Isto, sim, é uma economia indexada. O resto é conversa para inglês e, principalmente, francês ver.
Pois, entre a perplexidade e o pavor, veio-me de imediato uma imagem recente que, pela Academia Brasileira de Letras, peço-lhes que não interpretem como pedante (característica que julgo abominável). Estava eu no Museu d’Orsay, na França - onde, a meu gosto particular, estão reunidas as mais lindas pinturas do planeta, posto que tenho veneração pelos impressionistas -. quando pus-me a observar uma criança com seu pai (entre tantas outras crianças que lá estavam com seus pais) diante de uma tela. Virei para minha dama e indaguei-lhe, melancólico: "como vamos competir desse jeito"? Ela limitou-se a responder com um sorriso triste. E agora pergunto-lhes, senhoras, senhores: como vamos competir desse jeito? O que temos feito de nossas crianças? Que seres humanos temos formado? Enquanto em um mundo crianças viajam em quadros de Monet, em outro crianças viajam em latas de cola. Muita covardia falar
Que dizer das sucatas em que se transformaram o grande projeto do prof. Darcy? Que dizer - num patamar mais distante - de gente como a gente, como um colega meu de faculdade, que ao ver-me certa feita trabalhando na produção de um show (ele, um músico), disparou-me sem dó nem piedade: "se era pra fazer isso, de que nos serviu cursar a universidade"? Por atônito, calei-me. Pois que, para mim, serviu-me para tudo. Na vida universitária, encontrei idéias, pensamentos, interpretações, livros, filmes, peças, efervescência, pulsação. Mas como querer, de quem vira as costas até para a educação básica, que entenda, de uma vez por todas, que cultura não é supérfluo, adereço, charme, frescura? Que não existe vida sem arte? Essa concepção rudimentar agride nossa inteligência, denigre nossa sensibilidade. Ora, por favor, é a humanidade a se contar!!! De novo, citarei Calcanhoto, que em passagem de seu livro diz que não come doces, mas ia comer pastel de Santa Clara (ou outro doce tradicional luso, não me recordo), pois estava em Portugal e em Portugal pastel de Santa Clara não era doce, mas cultura. Que tal? Muito requinte para paladares toscos, não?
Crianças nossas, crianças do Brasil: que os anjos as protejam.
Abraço-lhe com ternura.
Albuquerque.