terça-feira, 10 de março de 2009

Nélida Piñon e eu - em colóquio

Queridos,

A mesma recomendação veio de vários cantos: o Visconde a fez pessoalmente, aqui na Esquina, Ataulfo mandou recado por Dona Flores e Aristides telefonou com a mesma conversa — a entrevista de Nélida Piñon à Rachel Bertol. Uma unanimidade.

Pudera! Cada parágrafo deixa sobre nosso colo e nosso espírito lição e bálsamo. Cada frase é um convite a uma tarde de chá (gelado!, nesses dias de calor insuportável) e ao pensamento como ofício. Deixei-me conduzir pelo bordado mental de Nélida, tão rico quanto delicado; tão simples, que a cada entre vírgulas, é mais precioso. Arcaico, como ela mesma argumenta, ou não poderia ser moderno.

...Você é uma metáfora de si próprio, você não tem uma explicação completa de sua pessoa e da sua realidade...

Assim foi posto o seu convite. Eu, capturada, esquecida das horas, dispensava-lhe meus ouvidos como portas do meu corpo inteiro a sorver-lhe as palavras, como se as pudesse tatuar e carregá-las nos poros e na respiração. Nem refeita da emoção destas primeiras sentenças e já me tomavam o peito as seguintes... por isso a arte é uma necessidade, um apoio, um amparo do ser humano. Não é só deleite, é registro da nossa complexidade...

Um instante, minha prezada senhora, é necessário algum pranto antes de prosseguirmos. Chorar todas as artes roubadas, ou vendidas depois de sucateadas. É preciso que choremos juntas por esta cultura de entretenimento consumida até à obesidade da alienação, carcereira do nada, prisão perpétua do deserto de significantes.

Diante de tudo isso tenho o hábito de pensar... me dá um prazer imenso. É como se eu estivesse reduzindo o meu índice de medo, da morte, da vida...

Ofereceu-me a idéia como se fosse consolo sem, contudo, perceber que também ela apontava desde já, e nos parágrafos seguintes, para a grande solidão que esta escolha determina. Mas não ousei dizer nada... É preciso saber ser só. Ou todos os encontros serão risíveis...

Ela adivinhou, ignorando o meu silêncio, o curso do pensamento como se todas as minhas sinapses estivessem previstas. Não se alterou, não elevou a voz, não buscou nenhuma impostação especial. No mesmo ritmo de fim de tarde, fez-me lembrar antigos conhecimentos antes que amarelassem de vez: É preciso pensar em pleno cotidiano, diante de todas as banalidades. Navegar a partir delas até a possível transcendência. E sem fugir dos princípios da ignorância douta, onde o saber sempre aponta para o que falta saber a mais, ainda, a seguir ou depois... Já havia nos alertado Lacan — o mestre francês — a direção de cura determina qualquer lugar como aquele de onde pode vir a interpretação.

Nesse ponto deu-se entre nós um espaço de novo silêncio. Puro respeito à minha necessidade de digestão. Eu mastigava as palavras, ela aguardava sem pressa e sem solenidade. Ainda haveria de vir o parágrafo das memórias e nossa necessidade delas diante da idéia da própria morte. Revisão? Nélida nos fala mais como patrimônio. Patrimônio e gratidão. Por ter feito o que se quis, por ter perdido a conta de quantas vezes repetiu que sentia muito, mas não ia desistir... (ela, da literatura; mas podemos estender a todas as artes; quiçá a todos os desejos).

Não sem dor, mas livre de ressentimento.

Beijo,
Guilhermina

5 comentários:

Anônimo disse...

Querida Guilhermina,fui la conferir a entrevista e gostei muito.Fiquei pensando na estoria da casinha e num artigo que li no Globo de domingo enqto esperava o aviao.O que é ser uma mulher transgressora atualmente ,uma Leila Diniz? Acho que é ser uma Nelida Pinon!bjs e obrigado pela dica

Janaina Amado disse...

Olhe, a-do-rei a entrevista da Nélida. Muito bonito também o seu diálogo com ela. Abração!

Anônimo disse...

Minha Rainha,
O tratante do Ataulfo só fez esse bonito porque pedi encarecidamente à imperturbável senhora dele que o avisasse sobre a entrevista, posto que remetia à que ele, por sua vez, havia me concedido na semana passada. Muito tocante também, diga-se. Mas, sabe, de quando em quando fico cá a cismar o que seria desse rapaz sem ter a seu lado uma patroa tão serena a dar-lhe um mínimo de equilíbrio aos miolos.
Teu,
Buca.

Nelida Capela disse...

Nélida é a Sherazade Brasileira. É uma fabuladora por ofício. Não há escritor que melhor represente nosso país, nossa língua brasileira do que Nélida Piñon. Beijos para Rainha Guilhermina!
PS: Nélida acaba de lançar mais um livro, visite o Lector in Fabula e veja.

Maria disse...

Depois de tantas indicações ler a entrevista é uma ordem pra mim...vou lá ^^

Meu beijo