quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

à beiramar - por Rita



Querida Guilhermina,

Cá estou à 01h de uma quarta-feira magra de referências. Fones no ouvido, já que a alma antiga não se corrompe diante das modernidades, mas agradece, ouvindo Milton e Nana cantando “Sentinela” a plenos pulmões, desafiando a madrugada e seus tormentos. Graças!

Apesar das janelas terem telas, mergulho na bagagem do imaginário e as transcendo. Os prédios se pulverizam, as montanhas assumem o horizonte e eis que me lanço antenas abaixo (no tempo de minha memória, seriam telhados) e chego na praia.

Eu sempre volto para a praia. Carimbo de um pai nomâde. Ainda assim, marca registrada. De um mar que lava. De Iemanjá que me recebe.

Recentemente foi Atafona que me trouxe Ipanema. Estranho como uma imagem se torna a matriz de outras e a transferência num movimento louco de adaptação, permite a irrigação, o transplante necessário, o canal cervical da conecção... E aí se enfileram as lembranças. Espalham-se pela areia as risadas, o prata da lua e a fogueira acesa com fósforos. As caixinhas eram de madeira. Percussivas.

A mesma espuma que fosforesce, as bolhas que ferem superfície granulada e as marcas que a pegada deixam quando assustam a água por alguns segundos. A assinatura dos meus pés não mudou. Depois de tantas nuvens, gostei de constatar isso. Sim, sobreviver é mágico. Porque viver é tão absolutamente comum quanto raro.

Somos eternos processadores do relativo. Que sina, hein Guilhermina? Mas tudo isso é para dizer que nesse triturador interminável, é a mistura que faz valer a pena. E que toda a fotografia exige solidão. Revelação. E depois a exposição. Mas isso não nos espanta. Afinal, não viemos aqui para isso? Sombras lado a lado contra o mesmo sol e estrada... Até a bifurcação.

Que Deus abençoe o amor. A ponte em cima do abismo e sua estrutura de elos. Única saída do labirinto. Bem, minha querida, era só a digestão dessa magnitude. E sei que você aprova isso.

Boa noite e sonhe com os anjos.
Rita.

Um comentário:

Anônimo disse...

E justo vc ainda reclama de não poder voar...
Se suas asas fossem além, romperia o traçado do caminho de volta e habitaria outras galáxias!
E o amor à distância, ainda que possa existir, é privado da intimidade.
Por sua vez, o amor sem intimidade só pode existir como lembrança, guardada em alguma gaveta do corpo e da história, que é pra não doer. Não te quero lembrança. Nem ausência, nem dor.
Segue caminhando pela orla. Visite todos os seus esconderijos, mas volte sempre para um chope no calçadão.
Beijo,
Guilhermina